2 de Junho de 2023



CAROLINA NEVES VIEIRA

Especialista em Gestão e desenvolvimento de negócios






Ego na medida certa





Quando qualquer coisa, na nossa vida, é sub ou sobrevalorizada rapidamente podemos entrar naquela zona cinzenta em que a influência desproporcionada de um único fator pode facilmente deixar de acrescentar valor, na medida certa.

Isto é especialmente verdade no caso do Ego.

O ego, na verdade, é esse conceito que, independentemente das diferentes teorias sobre a mente humana, está conectado ao centro da consciência humana, potenciando os sentimentos, pensamentos, ideias, memórias e sensações de uma pessoa. Ter desenvolvido este conhecimento e esta consciência pode trazer influências positivas no nosso comportamento diário. Todavia, tal como noutras áreas da nossa vida ou quando ocupamos cargos de topo na gestão de empresas, quando em extremos, o ego pode igualmente deixar de acrescentar valor.

Contudo, quando sobrevalorizado e inflamado, o ego pode turvar-nos visão e perturbar a forma como lidamos com o outro e trabalhamos em equipa: porque o excesso de ego aproxima-nos do velho conceito de chefia, com o qual todos genericamente tendemos a discordar, e afasta-nos da liderança servidora, da liderança humilde, do líder que, consciente das suas próprias limitações, marca verdadeiramente a diferença pela positiva.


Tal como na culinária, dosear e passar da lista de ingredientes ao objetivo, ao tornar a receita real, é o difícil. Daí que me permitam a comparação do conceito de ego com o do sal na comida: a mais, fica demasiado e pouco saudável; a menos, fica insonso e insípido.

 Portanto, há que dosear a medida certa a ter do nosso ego. Mas qual é essa medida? E que instrumentos temos para essa medição?






Mas, se todos sabemos que assim é porque permitimos, então, que o ego influencie negativamente a gestão, menorizando potenciais líderes em meros “chefes”?

Enquanto pessoas e profissionais, todos temos o nosso Ego, ou seja, uma maior ou menor consciência do nosso eu.

Tendencialmente, associamos a palavra Ego aos traços negativos de uma pessoa, e rapidamente remetemos para outras palavras como ego­centrismo ou egoísmo que tendem a ser caraterísticas menos apreciadas quando falamos em gestão e liderança.

E porquê? Porque temos maior tendência a sobrevalorizar o negativo. E cada vez mais, quando vivemos num mundo de rapidez iminente, de crescente superficialidade, até pelo tempo que a maioria de nós desperdiça diante um ecrã, acabamos esquecidos do que realmente importa. Há muito que penso que os tempos mais desafiantes que vivemos nos últimos anos, a nível económico, político, social e até sanitário, têm muito a ver com uma profunda crise de valores. Claramente, vivemos numa sociedade onde tendemos a confundir excesso de ego com individualidade e desen­volvimento pessoal. O auto­conhe­cimento e reconhecimento das nossas limitações não deve levar-nos a cair em excessos de ego. Estarmos demasiado “cheios de nós próprios” tende a não ter qualquer valor acrescentado nem para nós, nem para os outros. Queremos muita coisa, nomeadamente empresas e comunidades mais equita­tivas, mais produtivas, inovado­ras, etc., mas não basta querer, se não formos pragmáticos, se não nos dei­xar­mos de demagogias ou de seguir meras ideologias, e não colocarmos mãos à obra.

Deixemos de ser avestruzes que, por pouco ou quase nada, escondemos a cabeça na areia e deixamos para os outros a resolução do que até já esteve nas nossas mãos. Fazer diferente custa, mas custa mais deixar tudo por fazer porque somos levados por uma ineficiência de ações e não persistimos em aprender a ler a receita e a usar os ingredientes na dose certa.

A forma como convivemos com o outro e pensamos no outro. As poucas vezes em que, verdadeiramente, “nos colocamos nos sapatos do outro”



e tentamos realmente conectar objetivos a instrumentos e ações que produzam resultados, assumindo a responsabilidade coletiva pelos nossos atos, é (infelizmente, para todos) uma exceção.

É por isso que, no meu modesto entender, muitas vezes nos esquecemos de colocar o ego ao serviço do bem, a acrescentar valor e influenciar positivamente o comportamento, o nosso e o dos outros.

O todo é a soma das partes e todos temos um papel na cadeia de valor, de ideias diferentes, de formas de comunicar distintas. Essas diferenças são importantes porque permitem que, juntos, possamos ser melhores e mais fortes, para juntos podermos crescer e transformar os pontos menos positivos do outro.

Muitas vezes, o desafio da vida em sociedade está precisamente no facto de não sermos capazes de ver além da superfície, de não entender – porque não sabemos questionar-nos a nós e, menos ainda, aos outros – o que se passa.

Quantas vezes, numa equipa/numa empresa, nos encontramos com alguém brilhante, mas que apenas se ouve a ele/a próprio/a? Apenas, por vaidade ou insegurança – a linha é mais ténue do que pensamos – esse alguém brilhante tende a fazer microgestão, tende a ter dificuldade em delegar.

Diz o povo “desconfia, quem não confia” e tudo isto se relaciona muitas vezes com essa luta de ego (interior) que procura reconhecimento, com esse ego que procura visibilidade, sem se aperceber que, na sua própria teia, perde e destrói valor.

Afinal, o que importa é a qualidade e não a quantidade: o que interessa estarmos perante uma empresa que produz ou movimenta uma grande quantidade de recursos, se a qualidade desses mesmos recursos e o seu impacto na sociedade é praticamente nulo e não cria verdadeiro valor?

Em conclusão, nem sal/ego a mais, nem sal/ego a menos. Na segunda opção, tende-se a viver sob influência do medo, a ser um líder em modo calimero. Uma vítima da sua própria teia, contra o tudo e todos.

Tentemos, por isso, escutar mais, acrescentar valor a sério, conectar os objetivos com instrumentos que                     

 produzam resultados. E lembremo-nos que a essência humana que nos complexifica, se pode simplificar sempre que entendermos que somos o outro, do outro.

Na gestão, um ato solitário per se, o ego pode ser essencial até porque precisamos de momentos em que perspetivamos a nossa empresa, área de negócio, equipa, nós próprios na qualidade de líderes.

Mas devemos evitar ficar presos na armadilha da nossa própria teia.

Uma das frases de Oscar Wilde que mais gosto diz “se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo.” E é verdade, na maioria das vezes desconhecemos a forma como o outro nos ouve, nos interpreta, como dois egos se encontram e dialogam entre si.

Trabalhemos o nosso ego, enfren­temos os nossos desafios indivi­duais e/ou coletivos, sempre em prol de um bem maior, deixando para trás os calimeros, a atitude avestruz, sendo práticos e usando as ferramentas disponíveis para sermos melhores pessoas e, por conseguinte, melhores gestores e líderes, focando-nos no “e” do trabalho conjunto, percebendo que a adaptação é a característica dos sobreviventes, e, portanto, adaptando os nossos egos à medida certa das nossas organizações / comunidades, porque é tempo de mudar em nome do nosso futuro.

Juntemo-nos aos bons e seremos melhores que eles.

Em nome do futuro dos outros (dos nossos filhos/netos).







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