1 de Junho de 2023


JOANA FÉLIX

PROFESSORA|COORDENADORA INTERMUNICIPAL DO PLANO NACIONAL DAS ARTES






Errar é maravilhoso!


“Sempre tentaste. Sempre falhaste. Não importa. Tenta novamente. Falha novamente. Falha melhor.”





E

sta famosa citação do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (que podemos encontrar na sua obra Worstward Ho, de 1983), tem servido de inspiração a muita gente, não só no mundo das artes, onde a sua aplicação seria mais óbvia, mas também no mundo empresarial e tecnológico, onde falhar é algo que sucede com frequência, mas que, inúmeras vezes, contém em si a semente do sucesso futuro (Marshall, 2017). Esta visão positiva do erro pressupõe também um entendimento da criatividade, da capacidade de adaptação e da resiliência como competências essenciais para a vida profissional do presente e do futuro.

O Fórum Económico Mundial, num relatório de 2017 (WEF, 2017), reconhece a importância do potencial humano e, consequentemente, da Educação, na quarta revolução industrial, chamando a atenção para a inadequação dos sistemas educativos desatualizados, que não preparam as crianças para o futuro, já que os estudos sugerem que 65% das crianças a começar a sua escolaridade irão ter empregos que ainda não existem (dados de 2017).

A Escola, enquanto lugar onde se cumpre o Artigo 74º da Constituição da República Portuguesa (que garante o direito à igualdade de acesso e sucesso na educação, implicando, também, a sua interligação com as atividades económicas, sociais e culturais), tem de olhar de frente para esta questão. E tem de se transformar no “laboratório do erro”, abandonando uma linha herdada do tempo do surgimento da escola de massas, com a primeira revolução industrial, em que o erro era desvalorizado, e punido (em muitos casos, ainda é). Abraçar o erro e utilizá-lo como experiência reflexiva de aprendizagem é urgente, para que no futuro tenhamos cidadãos capazes de o fazer no contexto profissional. E a arte é o terreno fértil para colocar isto em prática.

Já em 2010, Jacques Delors, no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, chamava a atenção para a necessidade de, num mundo em mudança, se dar importância especial à imaginação e à criatividade, recomen­dando, para isso, “oferecer às crianças e aos jovens todas as ocasiões possíveis de descoberta e de experimentação — estética, artística, desportiva, científica, cultural e social —” (Delors, 2010).

Neste contexto, em Portugal, em 2019, é criado o Plano Nacional das Artes, estrutura de missão com dupla tutela, dos Ministérios da Educação e da Cultura, que tem a missão de promover a transformação social, mobilizando o poder educativo das artes e do património na vida dos cidadãos: para todos e com cada um. Propõe-se fazê-lo, trabalhando com as Escolas, a partir de várias premissas:

# - Do conceito de cultura enquanto formação da atenção, e enquanto mediação para nos reconhecermos e construirmos a nossa identidade individual e coletiva.

# - Do poder transformador da arte e da cultura, que as torna necessidades básicas do ser humano, equiparando em importância a estética, a ética e a política para a construção social do presente.

# - Da noção de que através das artes, das atividades culturais, do acesso ao património material e imaterial, se amplia na Escola a quantidade e qualidade de vivências e competências, reforçando a abertura à comunidade e ao mundo, educando e formando de uma forma inclusiva para as diversas linguagens, inteligências e modos de comunicar.



“Sempre tentaste. Sempre falhaste. Não importa. Tenta novamente. Falha novamente. Falha melhor.”  (Samuel Beckett)






# - Da convicção de que a intimidade com as artes, na sua diversidade, permite a formação da sensibilidade estética e artística e do pensamento crítico e criativo, áreas de competência do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, essenciais para o desenvolvimento da autonomia, da empatia e da compreensão e aceitação da complexidade e diversidade cultural.

# - Do entendimento de que a proximidade e familiaridade com as artes e o processo criativo poderão incentivar dinâmicas transdisciplinares, permitindo uma visão de conjunto favorável à compreensão da complexidade do mundo. Esse poder indisciplinador das artes pode abrir espaços de liberdade para a construção pessoal e coletiva.

# - Da convicção de que a vivência cultural participada favorece o desenvolvimento de sentimentos de pertença e incentiva a participação dos cidadãos, dando-lhes possibilidade de fazer ouvir a sua voz, valorizando os seus conhecimentos, práticas e tradições.

# - Da ideia de que o conhecimento do património e das artes nos permite uma consciência histórica e nos inscreve como parte de uma tarefa infinita–que recebemos como herança e que devemos renovar para o futuro –, que ajudará a derrubar muros, a interrogar fronteiras e a preparar a mudança que compõe o mundo e a vida.

# - Do potencial que as artes e as expressões artísticas têm na renovação dos processos pedagógicos, trazendo para a escola o prazer, o lúdico, a descoberta, a gratuitidade, a liberdade, o erro, a festa e a emoção.

# - Da ideia de que as artes são um modo de alimentar a imaginação e a criatividade, preparando para resolver problemas, gerir a incerteza como parte da vida, não ter medo de errar, ser resiliente, constituindo um instrumento essencial de adaptação ao futuro que desconhecemos.

É essencial esta aproximação dos cidadãos às artes, proporcionando na escola uma diversidade de experiências estéticas e artísticas que desenvolvam a sensibilidade estética, a criatividade, a empatia, e que ao mesmo tempo facilitem uma abordagem transdisciplinar do currículo que, como a vida, perde sentido quando compartimentado.

James Joyce na sua obra Ulisses, afirma: “Os erros são os portais da descoberta”. Acrescento que os erros são pontos de partida, e não de chegada. Abrem caminhos, perspetivas. Alargam horizontes. São, como dizia Saramago, necessários para chegar ao conhecimento. Por isso errar é maravilhoso. Erremos muito. Erremos melhor.



Newsletter Start&Go