25 de Março de 2023






VÍTOR BRIGA

Formador de Criatividade e Comunicação




MOÇAMBIQUE – A GRATIDÃO DE APRENDER (E ENSINAR)






No ano passado, cumpri vinte e cinco anos de carreira como formador. Ao fazer uma revisão emocional deste percurso, no qual tive a oportunidade de conhecer muitos lugares e milhares de pessoas, vêm-me à cabeça logo alguns projetos que me marcaram profundamente.




U

m deles passou-se em Moçambique, onde fui duas vezes dar formação. Numa delas fiquei em Maputo quase dois meses e tive a possibilidade de conhecer bem a cidade, bem como de fazer escapadinhas ao Kruger Park na África do Sul.

África exerce um fascínio sobre nós, envolvendo todos os nossos sentidos, logo a partir do momento em que aterramos e saímos do avião. Apesar deste projeto ter acontecido há quinze anos, continua muito presente em mim o cheiro a terra molhada quando choveu após um período de seca no primeiro dia que dei formação. Recordo-me de uma formanda à saída ter dito: “Olha, está a chover, esta formação vai ser abençoada”.

Ficou também na memória o nascer do sol mágico quando íamos, no final da semana de madrugada, de Maputo para a África do Sul e queríamos chegar na alvorada ao Kruger Park para ver os animais a acordarem. 





Assim como a imagem do anoitecer, sentados no alpendre da cabana onde íamos dormir, a observar famílias de javalis a passearem à nossa volta.

Apesar das dificuldades habituais com que têm de lidar os moçambicanos, Maputo era por esta altura uma cidade muito fervilhante e com um ambiente muito positivo. Andei pela cidade, muitas vezes sozinho, todos os dias após a formação sempre com um sentimento de segurança.









Era já um hábito à saída do Hotel ter alguns jovens artistas a venderem os seus batiques (trata-se de uma técnica de tingimento em tecido artesanal que consiste em aplicar várias camadas de cera sobre um mesmo tecido, que vai ser tingido várias vezes, formando padrões e desenhos de cores diferentes).

Fiquei tão fascinado com a beleza destes trabalhos que sempre que saía comprava algum.









Claro que tinha sempre um grupo de “perseguidores” a lutarem pela minha atenção para a sua arte e, de facto, era impossível não comprar, quer pela beleza dos trabalhos, quer pela persistência dos artistas. Resultado: todos os meus amigos receberam um batique de presente quando voltei.

É inevitável não “salivar” quando penso nos camarões que podíamos comer nos restaurantes da Costa do Sol ou sorrir quando me lembro dos casamentos que presenciei na saída da igreja mesmo ao lado do Hotel, donde emanava uma vibração de alegria contagiante. Aliás os sorrisos dos moçambicanos são uma marca inspiradora.

Sendo um espetador de teatro, um momento particularmente especial foi ver a peça “Um Elétrico Chamado Desejo” de Tennessee Williams, apresentada pela companhia Mutumbela Gogo no Teatro Avenida. Foi bonito ver como estes atores, com os poucos recursos cénicos que tinham, apresentaram este texto com aquilo que têm de mais único e especial: generosidade, verdade e honestidade emocional.

Quanto ao trabalho, dei vários cursos de liderança e de formação de formadores a colaboradores de uma empresa, que vinham de todo o país a Maputo. Impactou-me a forma como estes formandos valorizaram a formação e a oportunidade de aprenderem novas competências. Empenhavam-se com grande entusiasmo nas atividades propostas, queriam aprender pela experiência e questionavam o formador, procurando um saber útil que pudesse efetivamente melhorar a sua prática profissional. Ensinaram-me também que “menos é mais” e que, às vezes, é melhor uma boa história inspiradora e relacionada com o assunto do que muita informação num diapositivo. No final, muitos formandos mostravam-se emocionados quando recebiam o certificado e expressavam uma gratidão, que, com esta intensidade, já é raro ver expressa no final de programas em Portugal.



Ao longo destes anos de experiência, em que orientei mais de mil cursos de formação, creio perceber quais são os fatores que promovem maior satisfação e impacto nas avaliações finais dos participantes. Tenho verificado que quando a formação decorre de forma bem estruturada, com a partilha de ferramentas, com debates agradáveis e sem grandes sobressaltos, o grau de satisfação é bom. Quando a formação implica emoções fortes, desafios (às vezes, inevitáveis conflitos) e a mobilização de recursos individuais e de equipa para resolver problemas que implicam a saída do espaço de conforto com superação pessoal, o grau de satisfação é excelente. Porquê? Porque neste caso a formação aproxima-se da vida das pessoas e das empresas.

Memorizamos muito mais aquilo que experimentamos, aquilo que nos implicou como um todo que somos: corpo, emoção e pensamento. Por isso a formação na área comportamental deve implicar o formando nestas três áreas: Corpo – para que se aprendam novas ações a experimentar, treinando; Emoção – para que se mobilize o entusiasmo, a paixão e o propósito de cada um; Pensamento – para que se compreenda o que se viveu, se adquiram conceitos e se criem novas crenças e hábitos.

Se queremos mudar comportamentos, não podemos dirigir-nos apenas ao cérebro da razão, mas também ao cérebro emocional. O “penso, logo existo”, neste caso, terá de dar lugar ao: faço, logo sinto, logo penso, logo aprendo (logo existo)!

Uma abordagem formativa apenas focada na compreensão de conceitos ajuda habitualmente o ego a defender-se, afasta a vulnerabilidade, e não permite o reconhecimento e aprofundamento dos verdadeiros comportamentos e atitudes que as pessoas habitualmente demonstram no quotidiano. Só a partir do reconhecimento honesto do estado atual de uma determinada competência é que se poderá iniciar um percurso de aquisição e treino de novos hábitos  



Todos aprendemos com todos e eu estou muito grato por tudo o que aprendi a ensinar!

que permitam chegar a um estado desejado de melhor desempenho.

Um dos melhores formadores que tive, Gabriel Chamé, ator argentino, ex-palhaço do Cirque du Soleil, tem como metodologia, nos seus cursos de teatro para fazer nascer o clown de cada um, centrar-se, com empatia, nas vulnerabilidades dos atores. Expor as fragilidades com o objetivo de as transformar em forças comunicacionais. Aquilo que é digno de realce nesta metodologia, e que pode ser transferido para o treino comportamental, é a disponibilidade (e necessidade) dos participantes em serem generosos com o grupo, em confiarem no formador e nos colegas para se exporem e trabalharem em conjunto na busca da (sua) verdade e da excelência.

Por último, há que considerar que os adultos só aprendem, só se envolvem totalmente na formação, se quiserem, se sentirem que ganham algo com isso, e se reconhecerem competências técnicas e humanas aos formadores. Processos formativos em que as pessoas são mandadas para a formação sem um alinhamento claro de expetativas e sem um acompanhamento posterior, que permita praticar e consolidar as novas aprendizagens, podem prejudicar o impacto do trabalho e o investimento de todos os envolvidos.

Por outro lado, uma formação com um ambiente de segurança psicológica, em que os formandos querem estar, em que vislumbram “o gigante” que podem ser e treinam novos hábitos para o atingirem de forma criativa e honesta, será transformadora e inesquecível.


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