25 de Março de 2023





ANTÓNIO NOGUEIRA DA COSTA

CEO da efconsulting |  docente e membro do N2i do IPMaia


Sucessão na Liderança. 


Uma ameaça ou uma oportunidade?



Uma empresa familiar possui nos genes o desejo de assegurar a sua eternidade; contudo, para caminhar com este objetivo como farol, necessita de assegurar um bom planeamento da sucessão na sua liderança.

A continuidade das empresas familiares, enquanto negócio sustentável e sob o controlo da família, é um desejo natural e comum às famílias empresárias®. Na sua essência, os negócios familiares podem ser eternos, no entanto, como humanos, vamos perdendo as faculdades e somos mortais (ver caixa referente à declaração de Bento XVI aquando do anúncio da sua resignação) pelo que, com o passar do tempo, seremos confrontados com a necessidade da sucessão na liderança da empresa e, em simultâneo ou em tempo diferido, na passagem da posse da sociedade a novos proprietários.

Os líderes devem focar-se na sustentabilidade da empresa numa dupla perspetiva. A primeira, rentabilidade, deve ser a adequada para assegurar investimentos na melhoria da competitividade e para suportar a política de remuneração dos acionistas.



A segunda, continuidade, deve ter a preocupação de procurar a perenidade da sociedade, planeando e implementando planos de sucessão na liderança – preparar potenciais sucessores e passar o testemunho aos eleitos no momento adequado –, e no controlo do capital – preparar os futuros sócios para saberem ser bons acionistas.

Nas empresas familiares associam-se estas sucessões às dinâmicas geracionais; isto é, ao surgimento e ligação das novas gerações familiares à empresa, à coexistência geracional e passagem de testemunho e aos inerentes momentos de crise que, muitas vezes, resultam numa hecatombe da empresa familiar. A sabedoria popular de países de continentes como a Europa, EUA e Ásia, comunga dessa profecia - as empresas familiares possuem enorme dificuldade 

em sobreviver à 3ª geração familiar -, refletindo as etapas geracionais como um momento de crise e fatalidade.

Assumindo estas dificuldades e desafios, devemos recordar as palavras do Papa Francisco (mensagem por ocasião da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas): “Não saímos de uma crise da mesma maneira, ou saímos melhores ou saímos piores”.

A coexistência e a sucessão na liderança, quando encarada como um processo que permite colocar em interação duas, ou mais, gerações, permitirá elevar a empresa a um outro nível de competitividade. A coexistência geracional de pessoas com profundo conhecimento e práticas do negócio com outras carregadas de muita energia, novas ideias e vontade de as implementar é a perspetiva otimista na qual as famílias empresárias® se devem focar e potenciar. 


Sucessão Familiar - Foto criada pelo DALL.E 2


 Num momento em que a IA está ao rubro, aquando da escrita deste artigo resolvi efetuar um teste solicitando ao ChatGPT o “desenho de um farol associado ao objetivo da eternidade de uma empresa familiar”, tendo tido como resposta “Desculpe, como eu sou apenas um modelo de linguagem baseado em IA, não sou capaz de criar desenhos. Mas posso oferecer uma descrição de como um farol poderia ser usado para representar o objetivo da eternidade de uma empresa familiar. Um farol pode ser usado como metáfora para a estabilidade e continuidade de uma empresa familiar, guiando a organização através de tempestades e incertezas. A ideia de uma luz brilhante e constante simboliza a visão clara e a direção constante da empresa, mesmo que as circunstâncias mudem.” 

Assim, ao DALL.E 2 lancei o desafio de conceber um farol ao estilo de Van Gogh, obtendo a imagem que ilustra este artigo e acaba por ser resultado desta interação com dois sistemas de IA.






Em Portugal, os últimos meses tem proporcionado diversos processos sucessórios em grupos empresariais nacionais, cujas sínteses suportam as afirmações apresentadas e servem de exemplo para reflexão das centenas de milhares de empresas familiares portuguesas que desejam a continuidades dos seus negócios sob o controlo das respetivas famílias. 


Delta

No grupo Delta de Campo Maior, a liderança executiva já está na 3ª geração, coexistindo com a forte presença do fundador Rui Nabeiro. Numa entrevista à revista Exame de fevereiro de 2023, Rui Miguel Nabeiro, salientava dois fantásticos testemunhos relacionados com a eternidade das empresas e a sucessão na sua condução.

“É sempre o momento de dar espaço aos outros. Não acredito em lideranças que estão sentadas e agarradas à cadeira do poder, durante tempos indeterminados.” … “O jogo das empresas não tem 90 minutos: no limite é um jogo infinito. Tudo farei para entregar a empresa a alguém que a continue, e esse alguém passe a alguém, porque o jogo da Delta tem de ser infinito.”

No longo período de coexistência geracional surgiram duas grandes inovações: as cápsulas e respetiva máquina deltaq e o recente lançamento da Rise, desenhada por Philippe Starck, que revoluciona o tradicional sistema de extração, desafiando a gravidade, ao injetar o fluxo de café diretamente pelo fundo da chávena.




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Rui Nabeiro e o neto Rui Miguel Nabeiro


Mota Engil

Em janeiro de 2023 também é apresentada uma passagem de testemunho na liderança no grupo Mota-Engil, cuja génese remonta a 1946 como empresa de madeiras direcionada para a exploração florestal e agrícola em Angola.

A sua história de 76 anos ilustra ser possível passar de um controlo acionista totalitário da família a opções estratégicas de total abertura ao mercado, sem perder o carácter familiar – tem capital disperso em bolsa, um acionista externo de enorme dimensão que controla mais de 30% do capital – e construir e adaptar o modelo de governo com distintos perfis:



3 gerações da família Mota


• Fundado e liderado por António Manuel da Mota ao qual, após o falecimento, sucede-lhe o filho António Vasconcelos da Mota.

• Em 2008 o grupo implementou um sistema de liderança dual, assumindo este último o cargo de chairman e entregando o de CEO a Jorge Coelho - um externo que não era do setor.

• Em 2013 Gonçalo Martins, um quadro da casa, assume o cargo de CEO.

• Em janeiro é anunciado um novo sucessor da família – Carlos Mota dos Santos, membro da 3ª geração e sobrinho de António Mota – e o regresso ao modelo de um só líder para o Conselho de Administração e da Comissão Executiva.


Foto de Nelson Garrido para o Publico online


Sonae

Se na Mota-Engil a liderança executiva teve um interregno de 14 anos fora da família, não se encontra um paralelismo no grupo Sonae onde, desde Belmiro de Azevedo, a liderança tem sido assegurada somente por membros da família, mas com duas originalidades na 2ª geração proporcionadas por Paulo Azevedo:

• um modelo de co-CEO com Ângelo Paupério,

• após 12 anos, e quando tinha somente 53 anos, a cedência do testemunho da condução executiva do grupo, que recaiu sobre a irmã Cláudia Azevedo.

Numa entrevista à revista Visão em março de 2019, Paulo Azevedo salientava que a saída tinha sido



 planeada há mais de quatro anos.

“Na preparação do conselho [de administração] em que o meu pai já não queria estar e no qual queria que eu fosse Chairman, além de CEO. Iniciei então um período de reflexão e propus uma composição do CA em que o Ângelo [Paupério] passasse também a CEO. Os objetivos do mandato desses quatro anos eram que os primeiros dois fossem para tornar o lugar de CEO exequível, pois era [um lugar] quase impossível de fazer. E, nos dois anos seguintes, preparar a sucessão, deixando claro que, nem eu nem o Ângelo, queríamos ser executivos no mandato a seguir. É um documento que existe há quatro anos, todo o conselho sabia. Por isso, não teve nada de inesperado. O que não sabíamos era quem seria o sucessor”.


Bento XVI


Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças … é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste acto, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma,


Vaticano, 10 de fevereiro de 2013. BENEDICTUS PP. XVI"



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