30 de Dezembro de 2022






ANDRÉ PINHEIRO

Direção de Qualidade


Marcas de Qualidade


O que “faz” uma marca? O que transforma um nome que mal conhecemos numa referência conhecida nos 4 cantos do mundo? E o que raio tem a Qualidade a ver com isso???


N ão vou arriscar entrar demasiado no mundo da criação de marcas, pois os colegas mais ligados à área do Marketing e Comercial seguramente terão conhecimentos muito mais aprofundados que eu nesse âmbito, mas sei que muitas marcas foram evoluindo ao longo dos anos, ao ponto de se terem tornado famosas em áreas de negócio totalmente distintas daquelas em que iniciaram a sua atividade. E a razão para isso pode ter algo a ver com a qualidade.

Desde que iniciei a minha atividade na área da Gestão da Qualidade que sempre fui da opinião que o sistema de gestão deve estar montado de forma a que seja útil para a empresa no dia-a-dia, e não apenas no dia da auditoria. Deve facilitar ao invés de burocratizar, deve ajudar em vez de atrapalhar. Mas para muitos empresários e gestores, a qualidade não é mais do que um custo obrigatório, seja por exigência de clientes ou legal. E têm essa visão porque a qualidade, em bom rigor, não produz “produto”, pelo que para muitos não gera valor. Dirão até muitos que é precisamente o contrário, pois os controlos de qualidade “produzem sucata”, evitando que muito produto que até poderia ser aceite pela maior parte dos clientes seja rejeitado, e assim aumentando os custos da empresa.

Mas uma coisa é a receita imediata da venda de um produto ou serviço, outra é o prejuízo com a devolução e reparação de produtos defeituosos, senão mesmo a troca por um novo ao abrigo da garantia. Uma coisa é o excesso de burocracia, outra é saber que é que aquele produto de que o cliente reclama foi feito no dia X, altura em que a máquina Y por acaso até teve um problema que foi mal resolvido, ou no dia em que o operador detetou a falha mas cujo supervisor derrogou, com a justificação de que “para quem é, serve”. Como diria o outro, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A Qualidade do que fazemos deve ser vista como um investimento, pois pode permitir elevadas poupanças a médio ou longo prazo, isto porque não produz produto físico, mas sim informação, e como dizem os ingleses: informação é poder (“knowledge is power”).

Se definirmos indicadores na lógica da eficiência e não para “cumprir calendário porque são os mais fáceis e inócuos” permitem perceber o rumo da empresa, e tomar decisões quanto à estratégia para o futuro. E não são necessárias grandes soluções tecnológicas para acompanhamento das operações e perceber que é necessário mudar. Veja-se o caso do senhor Lee Byung-Chui, que em 1938 abriu uma pequena mercearia. Esta floresceu durante a década de 40, até à altura da guerra entre as duas Coreias (e que, oficialmente, se mantêm até  

aos dias de hoje pois a Coreia do Norte nunca deixou de estar oficialmente em guerra).Com a diminuição da procura dos bens que vendia, o empresário decidiu ajustar-se e vender o que a sociedade mais tinha necessidade na altura, focando-se na venda de açúcar e têxteis, e gradualmente foi diversificando a oferta, procurando sempre responder ao que seriam as necessidades do mercado. Na década de 60 continuou em expansão e entrou no mercado dessa “novidade” da altura que eram os produtos eletrónicos, e em pouco tempo o nome daquela pequena mercearia seria conhecido por todo o mundo: Samsung.

A versão de 2015 da norma de gestão da qualidade ISO9001 veio reforçar a necessidade da empresa ter uma noção o mais clara possível de como são os mercados onde se insere, quem é a sua concorrência ou quais as partes interessadas no seu negócio e as suas expectativas.A ideia não é que a qualidade se envolva na área comercial, mas antes trabalhar a par dela para que esta saiba retirar os indicadores que melhor permitam gerir o negócio. A questão de saber adaptarmos o nosso produto ao mercado é muito visível, por exemplo, nas marcas automóveis, seja com modelos que apenas existem em determinados mercados, ou os exemplos de fabricantes que tiveram que criar nomes de modelos específicos para países onde o nome original da viatura não seria muito adequado,

como a Toyota aprendeu quando introduziu o modelo MR2 em França (que os locais apelidavam de “merdeux”), ou mais recentemente o pequeno SUV da Hyundai que em Portugal tem o nome da ilha havaiana Kauai, mas noutros países tem um nome mais de uma outra ilha do mesmo arquipélago, que não posso transcrever aqui por razões óbvias, deixando apenas a sugestão a quem não sabe que procure no Google (outra marca conhecida cujo nome surgiu de um erro, pois a intenção era que se chamasse Googol, uma alusão ao número com 100 zeros).

Mas isto também ocorre noutras áreas, senão vejamos o caso do fundador de uma das canetas mais conhecidas no mundo, a caneta BIC, que foi o senhor Marcel Bich.Mas quando começou a vender as suas canetas e isqueiros, rapidamente percebeu que vender produtos

 “Bich” em Inglaterra poderia ser muito complicado pela forma como o seu nome era pronunciado.

É verdade que um sistema de gestão da qualidade que permita a recolha de informações necessária ao conhecimento dos processos terá tendência a introduzir mais registos, mas com o tempo, para além da evolução tecnológica, podemos aligeirar e/ou tornar mais eficiente a forma de recolher a informação e tornar os processos mais simples. Atrevo-me a dizer que esse deverá ser sempre o objetivo final de quem trabalha nesta área (ainda que já tenha conhecido profissionais da qualidade que acham que “quantos mais papeis e registos, melhor”).  

O famoso acrónimo inglês de KISS (Keep It Simple, Stupid) é cada vez mais atual, e isso até se reflete precisamente no nome de algumas marcas bem conhecidas.

A Apple tem esse nome pois Steve Jobs, para além de se ter submetido a períodos em que apenas comia fruta, tinha o ideal de que a sua empresa apresentasse como simples algo que as empresas da época tornavam complexo, e o nome Apple, para além da alusão à simplicidade do fruto, é sem dúvida mais simples que “International Business Machines” (a IBM), um dos principais concorrentes da altura. Também a IKEA é um acrónimo que acaba por ser bem mais simples do que o seu nome original, composto pelo nome do criador e pelo nome da vila onde nasceu: Ingvar Kamprad Elmtaryd Agunnaryd. Em resumo, e já que escrevo isto pouco tempo após o falecimento da líder de outra “marca” icónica como a casa real de Inglaterra, deixo a sugestão mais simples para qualquer sistema de gestão: Keep Calm and KISS.


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