30 de Dezembro de 2022


RUI GUEDES

Di­retor de Vendas das Pá­ginas Ama­relas






Moinhos de Vento





Moinhos 1

Um título como o que aqui se apresenta, remete com alguma facilidade para o momento em que D. Quixote avança destemido contra os gigantes de braços descomunais. Este cavaleiro eternizado na obra de Cervantes via talvez um mundo demasiado instável e sentiu que tinha um papel a desempenhar. Partiu então rumo à aventura enfrentando tudo e todos, num desvario que tinha tanto de coragem como de alucinação e que o levou, entre muitas outras coisas, a lutar contra moinhos de vento.

Havia por ali excessos de arrojo, de emoção, de galhardia, ainda que um paciente Sancho Pança, posicionado no outro prato da balança, lá fosse tentando, a espaços, trazer algum pragmatismo a uma viagem à qual não parecia faltar animação. Sem querer generalizar e com noção do risco que envolve esta afirmação, sinto que, à medida que vamos lendo obras acabadas de publicar, mais convencidos ficamos que os temas verdadeiramente importantes já estavam todos bem lá atrás, devidamente explicitados nos clássicos. Para que fique claro, não há aqui qualquer crítica, mas apenas uma constatação, até porque a criatividade humana não tem limites e continuo a ficar fascinado com o facto de ser possível, por exemplo, a partir de um limitado conjunto de notas musicais, lançar novas músicas todos os dias que nos tocam verdadeiramente.




Moinhos 2

Estive algumas vezes na Holanda, numa delas cheguei até a alugar um carro para poder circular livremente pelo país, mas talvez por descuido ou por terem surgido outras alternativas igualmente interessantes, acabei por nunca visitar Zaanse Schans. Tendo estado por lá recentemente com a família, decidimos que este seria um destino a não perder, pois fazia todo o sentido visitarmos esta localidade que se tornou famosa, sobretudo pelos seus fantásticos moinhos de vento. No breve plano da viagem, acabamos por optar por algo que não me deixou propriamente a delirar de alegria. De facto, uma “excursão de autocarro” não está na minha lista de preferências, mas, das diferentes opções em análise, lá me pareceu que esta poderia ser a mais indicada e afinal… eram apenas umas horas e voltaríamos a ficar livres.

Chegamos ao local combinado em Amesterdão para entrar no autocarro, já de pulseira verde no pulso, e fomos recebidos por uma guia sorridente e empática que, apesar de estar perante um grupo com alguma dimensão, parecia ter a capacidade de se dirigir a cada pessoa individualmente sempre com igual atenção e simpatia. Foi dando as primeiras indicações e, sempre de uma forma muito natural, acabou por nos apresentar o motorista que, julguei eu, seria uma personagem meramente secundária. O autocarro com todas as condições de conforto lá arrancou suavemente, foi começando a ouvir-se uma música de fundo crescentemente animada e pudemos depois ir escutando através dos auriculares a Diana a dar-nos algumas breves indicações que, mais do que informar, despertavam a nossa curiosidade sobre o que estava para vir.

Na primeira paragem do autocarro, surge então com maior destaque o Tony, o motorista de quase 2 metros de altura, com uma voz grave mas de volume alinhado com a estatura, a elogiar o profissionalismo da colega e a misturar de forma exímia humor e credibilidade. 

Enquanto dizia que se os horários não fossem cumpridos teríamos que regressar a Amesterdão por nossa conta, ia escrevendo as horas num tablet com uns emojis à mistura, que virava para que todos pudessem ver.

O Espetáculo vai começar

Fomos seguindo a Diana pelo interior da aldeia, que por si só já valeria uma visita, enquanto íamos vendo cada vez mais perto os imponentes moinhos. Nestas coisas, como se sabe, o grupo alonga-se, dispersa-se, uns vão ficando para trás para conseguir aquela foto única e pude então ver o Tony com um jovem aprendiz de feiticeiro, a esperar por quem se ia perdendo e encontrando discretamente formas de reagrupar as pessoas sem que estas se sentissem forçadas a fazê-lo.

A determinada altura o Tony, que parecia conhecer toda gente da aldeia, subiu para cima de um banco e contou rapidamente algumas interessantes histórias sobre a região. Disse que tinha familiares a trabalhar numa fábrica de chocolate ali perto, aproveitou para nos aguçar os sentidos e de facto sentimos a chegar com o vento um intenso cheiro a cacau, partilhou mais alguns detalhes acerca dos moinhos nos quais iam entrar as pessoas que tinham pulseira verde, lembrou que todos ainda tinham tempo de comprar bilhete para poder fazer a visita completa, mas que, se não o quisessem fazer, ficaria com eles a fazer-lhes companhia. Estou em crer que todos entraram nos moinhos e puderam testemunhar a relação de proximidade que existia entre o Tony, o moleiro, a Diana e os diversos habitantes da região. Ao contrário do que seria expectável, a história não terminava num local estrategicamente escolhido, no qual estaria um fotógrafo profissional a sugerir uma foto de família com os moinhos de fundo. A Diana, o enérgico Tony e o Paul (o tal aprendiz que parecia seguir cada passo do mestre) ofereciam-se para pegar nos nossos telemóveis, sugeriam os melhores ângulos e tiravam eles próprios fotografias a toda a gente.

O espetáculo tem que continuar

Quando regressamos ao autocarro, cumprindo escrupulosamente os horários, aquela Equipa já tinha conquistado a nossa confiança, pela primeira vez comecei a sentir alguma simpatia por uma “excursão de autocarro” sem saber ainda que o melhor estava para vir. À medida que as pessoas iam entrando, a música animada ia sendo debitada pelas colunas de som, até que me pareceu que algo diferente estava a acontecer. Comentei então que aquilo já não seria música gravada. Apesar de muito afinado e com bom som, começou a ficar evidente que alguém estaria a cantar ao vivo enquanto os passageiros entravam. Descemos então do piso superior para encontrar o Tony sentado no banco do condutor a cantar animadamente, enquanto tocava num teclado todo artilhado com os mais variados ritmos.

A animação era evidente, a popularidade do músico ia crescendo e até já dava para incluir nas letras a Diana e o Paul, originando vídeos, selfies com o artista e improvisos quase sempre de grande efeito. Entretanto, as pessoas iam colocando algumas questões à Diana que, dependendo da pergunta, alternava entre responder no momento, ou dizer que iriamos ter resposta a isso muito brevemente.

Rumamos a Volendam, um local a fazer lembrar uma aldeia de Natal, onde nos recordaram que iriamos visitar alguns interessantes locais e que… quem tivesse a pulseira verde, iria embarcar num barco para poder visitar uma das mais tradicionais oficinas de socas holandesas. Se não tivessem a pulseira podiam estar descansados que ainda iam a tempo de poder comprar bilhetes para a viagem, sendo que, se não o quisessem fazer, teriam inclusive o autocarro aberto pois o Tony ficaria por cá.

Depois da tranquila viagem de barco que foi sendo brindada por algumas interessantes paisagens,

pouca chuva, oferta de bebidas quentes e um magnífico por do sol, visitamos a oficina. Na hora de regressar ao barco, estava ali mesmo ao lado o motorista já no autocarro, desta vez a cantar a famosa música da pantera cor de rosa num estilo mais jazz, a surpreender positivamente, arrancando sorrisos, aplausos e cumprimentos do tipo “Mr. Jazz man”.  

Como já alguns tinham percebido, não foi necessário voltar de barco porque era ali que tinham construído um dos famosos diques que permitiram aos Países Baixos ir conquistando território ao mar do Norte e, portanto, lá entramos no autocarro numa viagem de regresso, onde fomos ouvindo as respostas às tais questões que tinham sido colocadas no início e, tal era o ambiente, que um jovem em lua de mel arriscou ali ao microfone uma dedicatória musical à sua amada.

Fechem o pano

O autocarro parou, e nas duas portas tínhamos estrategicamente colocados os artistas com umas socas na mão de generosas dimensões, prontos a receber alguma gratificação que as pessoas quisessem dar. Concluí rapidamente que ainda mais generosa do que a dimensão das socas, eram as quantias que iam ali caindo no meio de agradecimentos, cumprimentos, muitos sorrisos e música, muita música.

Olhei para o conteúdo das socas e ocorreu-me que este é o trabalho que eles fazem todos os dias e que, portanto, esta componente variável terá um elevado peso na sua remuneração. Olhei depois para cada um dos três, vi os seus olhos a brilhar, confirmei a satisfação com que desempenhavam a sua atividade e senti que tudo aquilo era mais do que merecido. Não será difícil adivinhar que numa cidade com aquela dimensão e número de turistas, existam nesta mesma empresa outras Equipas que, cumprindo aquilo que está definido e que passa por levar as pessoas aos locais combinados, não transmitam o encantamento que os seus colegas conseguiram. Também não será difícil adivinhar que outras empresas concorrentes façam roteiros deste tipo (vi nos locais de paragem muitos autocarros) em que o motorista vá a conduzir diligentemente, a guia 

explique tudo o que nos foi explicado e que no fim do dia ambos regressem a casa de bolsos vazios, dizendo que cumpriram o seu papel e são bons profissionais, pois nem sequer houve acidentes e amanhã… é mais do mesmo.

Quanto aos nossos artistas, o espetáculo tinha terminado, podiam agora fechar a cortina pois a missão estava cumprida. O público gostou do que viu e depois de ter pago previamente por tudo aquilo que era suposto pagar, ainda se dispôs a gratificar copiosamente pela experiência vivida.

As Vendas

Em última análise são sempre os Clientes que decidem o que fazer!

Vivemos num mundo demasiado instável, lidamos com Clientes onde há excesso de emoção, mas ainda que algum até possa querer lutar contra moinhos

de vento, cabe aos profissionais de vendas ter muito claro na sua cabeça que uma venda não é uma batalha, que cada Cliente tem a sua própria realidade e que em determinados momentos, qual Sancho Pança, são os vendedores que devem trazer algum pragmatismo para cima da mesa.

Por oposição a isto, temos também momentos dos quais a alegria parece arredada e, no meio de um cinzentismo perspetivado por uma “excursão de autocarro”, parece ser possível despertar boas emoções.

Desenganem-se aqueles que viram uma guia, um motorista e um aprendiz!

O que ali tivemos foi 3 vendedores que parecem ter lido toda a literatura disponível sobre o tema. 

Construíram um guião, criaram um espetáculo, escutaram, treinaram muito, aprenderam, contaram histórias, perceberam as necessidades, cumpriram as promessas e excederam as expetativas.

Sempre que alguém se perdia encontravam forma de trazer novamente a pessoa para o caminho, customizando e adaptando-se ao estilo encontrado. Quando as circunstâncias o exigiam, eram extremamente objetivos (horários) e sempre que se proporcionava, despertavam as tais boas emoções (aquele cheiro a chocolate…). 

Ao escolher os momentos para dar as respostas, iam aguçando a nossa curiosidade, sabendo sem margem para dúvidas que estavam a seguir um processo que tinha etapas para serem cumpridas. Com o conhecimento que iam partilhando e com a atitude demonstrada foram transmitindo cada vez mais credibilidade e conquistaram com todo o mérito a nossa confiança.

Ao longo da jornada iam apresentando vários benefícios (aquilo que a pulseira verde permitia…) tocavam em algumas dores sem perder a elevação (quem quiser pode ainda adquirir bilhete…) e iam acumulando concordâncias sucessivas. Quando tudo ainda estava no início começaram por dar (ofereceram os auriculares, dispuseram-se a tirar fotografias, sugeriram os melhores locais…) parecendo dominar na perfeição o princípio da reciprocidade…. e não só!

Depois começaram a dar show e surpreenderam, indo muito para além do que seria considerado normal.

Cada um tinha um papel a desempenhar, sabia quando entrar em cena como se por ali houvesse um contra-regra escondido e, mesmo tendo capacidade de improvisar, recordaram-nos em vários momentos que os melhores improvisos são sempre aqueles que se ensaiam. Mostraram ser uma verdadeira Equipa com cada elemento a ter o seu papel, a dar palco ao colega e a ficar feliz com o seu sucesso, pois apesar de nós ainda não sabermos, eles já sabiam que estavam a construir uma história que tinha tudo para acabar bem.

Atualmente é mais do que óbvio que para ter sucesso consistente em vendas é fundamental a existência de um processo com um conjunto de etapas que têm que ser seguidas, é importante saber em que momento se partilha cada informação, mas alguns ainda insistem na retrógrada ideia suportada na… minha forma de trabalhar. É fundamental saber todos os passos a seguir para poder ajudar o Cliente no seu processo de decisão, pois são sempre os Clientes que decidem onde vão pôr o seu dinheiro.

O processo meticulosamente seguido pela Diana, pelo Tony e pelo Paul tinha tudo para acabar bem e de facto foi o que aconteceu.




Quando vi a dimensão daquelas socas nas mãos deles e as notas a caírem ao chão por já não caberem ali, percebi que aquele fecho de negócio protagonizado por tantos Clientes 

satisfeitos que, bem vistas as coisas, nem teriam que pagar nada, foi apenas a consequência natural das tais anuências que fomos dando ao longo da tarde. Pelo princípio do 

compromisso e da coerência não podíamos fazer outra coisa a não ser dizer sim, e materializar isso através de um comportamento que não nos provocasse desconforto.






Se eu podia ter alugado um carro e ir ver os moinhos?

Se eu podia ter optado por uma pulseira que não a verde?

Se eu podia ter despendido menos dinheiro naquela tarde?


Claro que podia. Mas não era a mesma coisa!

















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