30 de Dezembro de 2022





PEDRO AMENDOEIRA

Partner na Expense Reduction Analysts





Médias Medidas


Imagino que o nome Adolphe Quetelet não lhe seja familiar, mas que use, seja usado e medido por uma criação sua: as médias.



E

stamos habituados a usar as médias como ferramentas para simplificar um mundo complexo. Quando lemos que o peso ou a altura da população aumentou, estamos a ser medidos pelas médias. Comprando uma peça de roupa M, estamos a adquirir algo não desenhado à nossa medida exata, como foi habitual durante muito tempo, mas à média da população.

Até 1835 as médias eram usadas quase exclusivamente por astrónomos, como forma de minimizar os erros que instrumentos de medição imperfeitos introduziam nos cálculos. Usando a média de muitas observações, a aproximação ao valor real era maior que uma qualquer variação isolada. Nesse ano, Quetelet publicou uma obra em que calculava médias de altura ou dimensão do peito de homens. Aplicou depois o mesmo método para calcular taxas de casamento, crime ou suicídio. Não tendo inventado a média, expandiu o seu uso como ferramenta para potencialmente tudo. O uso das médias generalizou-se rapidamente, com consequências normalmente bastante positivas.

Por exemplo, pouco depois, Florence Nightingale implementou melhores métodos de gestão hospitalar baseados em resultados medidos e comparados, que salvaram muitas vidas.

Durante a Guerra Civil norte-americana, as médias foram fundamen­tais para o exército Unionista distribuir rações, armas ou uniformes. Antes, os uniformes eram feitos à medida, o que deixou de ser prático ao recrutar milhares. Medindo uma amostra e agregando em pequeno, médio e grande, cada soldado tinha vestuário que, sem ser perfeito, se ajustava minimamente ao seu tamanho, permitindo o fabrico em série. Esta prática passou para a sociedade civil e permite que existam cadeias de lojas com preços acessíveis.

Dado o sucesso que teve com a estandardização, o exército americano adoptou essa prática como filosofia. Em 1926, quando desenharam os primeiros aviões de combate, mediram uma amostra alargada dos seus pilotos (altura, peso, comprimento do braço) e construíram o cockpit à medida do piloto médio.

Na Segunda Guerra Mundial os resultados da aviação norte-americana não foram brilhantes. Caiam muito mais aviões do que era suposto. Tentaram-se diferentes métodos de recrutamento ou de treino, sem melhorias. 

Olharam então para o design do cockpit. Seria o piloto médio dos anos 40 ou 50 diferente do dos anos 20? A resposta curta era que sim. Mas um dos investigadores desafiou as premissas da pergunta e indagou mais fundo, obtendo uma resposta

mais longa e interessante.

Tendo recolhido uma amostra de milhares de pilotos em 10 medidas corporais, Gilbert Daniels concluiu algo inesperado: nenhum dos pilotos correspondia à média em todas as variáveis. O piloto médio não existia. Ao desenhar um cockpit para o piloto médio, estavam há quase 30 anos a fabricar um cockpit que não se ajustava a ninguém.

A solução não foi demasiado complicada e parte está hoje em todos os nossos automóveis: assentos e volantes reguláveis.

Como foi possível que uma organização tão bem estruturada como o Exército, e depois a Força Aérea americana, fossem capazes de ganhar guerras mundiais mas não de pôr em causa algo tão simples como o conceito de “piloto médio”?

O sucesso da ferramenta de gestão explica a dificuldade de a pôr em causa. O mesmo acontece na maioria das organizações. 

Quanto mais sucesso e há mais tempo vigore uma ferramenta ou filosofia, mais difícil será questioná-la. Cimentou-se como pressuposto para qualquer outra ideia ou ação.

Como humanos, valorizamos atalhos mentais, função cumprida pelos pressupostos, o que torna bem mais difícil a tarefa de os questionar. Fazê-lo equivale a desistir de atalhos para percorrer o caminho mais longo e sinuoso.

Quetelet merece ser lembrado pela importância que deu às médias, Daniels pela coragem de pôr em causa nalguns contextos mesmo as ferramentas mais úteis.

Se em tempos normais já era

importante questionar pressupostos, nos tormentosos tempos que vivemos, tornou-se imperioso. A todo o momento disparam preços, bens que tínhamos como certos desaparecem, mercados importantes deixam de estar acessíveis. Perpetuar antigos pressupostos fará pouco sentido.

Sendo questionar um caminho difícil, temos mesmo de nos consciencializar da sua necessidade. Após esse passo, virá talvez o mais difícil: quais os pressupostos a pôr em causa? Que o planeta é esférico e não plano, bastarão uns minutos de pesquisa para constatar. Outros tardarão mais, mesmo até em formular. Perguntas úteis serão: quais os pressupostos que estou a usar para tomar esta decisão? Estes pressupostos, foram todos revistos e validados? Há quanto tempo?

O passo seguinte será perceber o nosso nível de desconforto com cada pressuposto. Provavelmente, para aqueles que nos causam maior desconforto iremos ser muito mais exigentes com provas contrárias do que com as que os validem, confirmando aquilo que já acreditávamos. Ter essa consciência será útil para nos esforçarmos para ser mais imparciais.

Validar os pressupostos dependerá dos casos. Pode passar por testes em pequena escala, recolha de informação externa ou por peritos independentes.

Após este processo de questionar contínuo, tendo uma base de pressupostos sólida, as nossas decisões e processos serão melhores… em média!

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