19 de Janeiro de 2022






RUI GUEDES

Di­retor de Vendas das Pá­ginas Ama­relas





CONECTAR











Apesar de não ser vista como uma cidade de encantos mil, São Paulo é um local que não se esquece facilmente.




P

oderia começar pelo contraste da Avenida Brasil com o centro his­tórico e partir de­pois para outras histórias, mas vou deter-me apenas num episódio que se mantém intacto na minha memória. Para conhecer a agitada noite paulista, um amigo residente teve a amabilidade de me vir buscar ao hotel no seu carro desportivo e de me convidar previamente para almoçar em sua casa. Conduzindo habil­mente naquele trânsito algo caótico, acabou por entrar numa requintada zona residencial substancialmente mais calma. Todas as casas tinham muros altos, portões em ferro de aspeto robusto e algumas tinham uma espécie de guaritas que, vim a saber, eram mesmo locais para uso dos seguranças.

Via-se que o procedi­mento estava rotinado e não havia grande margem para variações.

Evitar parar em semáforos, ainda que vermelhos, fazer uma aproximação à casa se não houvesse ninguém nas redondezas, abrir o portão exterior com alguma antecedência para evitar paragens indesejadas, entrar com o carro rapidamente mantendo as portas travadas e aguardar que o portão exterior se fechasse.

Seguidamente é aberta a porta da garagem na qual o carro entra, aguarda-se






que essa mesma porta feche e só depois se sai em segurança. A isto não é alheio o facto da família já ter sido alvo de vários assaltos que causaram naturais perturbações.

Este episódio fez-me saltar para outro bem mais simples ocorrido igualmente no Brasil, mas desta vez no Nordeste. Ao vermos um individuo na berma da estrada a beber tranquilamente uma cerveja com roupas muito gastas e com aspeto de quem não teve uma vida fácil, pedimos uma qualquer informação e perguntámos se estava tudo bem. A resposta foi célere e adornada por um sorriso contagiante: - Se melhorar estraga!


Indicadores

Alguém disse que viajar é a coisa onde se gasta dinheiro e se fica mais rico. Apesar de entender que há muito mais coisas para além desta que nos enriquecem, vou sendo tentado a concordar com esta afirmação, enquanto me vou focando naquilo que se passa no lado de cá do Atlântico. Ouvia recentemente cientistas pronunciarem-se sobre a saúde pública em Portugal e não pude deixar de reparar na insistência da jornalista, quando atirou diretamente a um epidemiologista a seguinte questão:

- Mas as medidas tomadas parecem-lhe acertadas?

A vontade de informar misturada com algum desejo de incendiar o debate não parece ter importunado minimamente o entrevistado que, antes de explicar com detalhe, disse calmamente que as medidas são tomadas num contexto e não podemos esquecer que o contexto de uma pandemia é dinâmico e portanto exige uma adaptação constante.

montanha russa em


que temos viajado no passado recente tem tido sempre por perto uma salada russa de informações, que acaba por ser o reflexo de uma sociedade globalizada, imediatista, na qual não há espaço para o vazio. Sem dúvida que estamos confrontados com vários desafios que não afetam de igual forma todas as empresas, mas há desde logo um conjunto de indicadores macroeconómicos que não devemos subestimar. Temos já aí fortes pressões inflacionistas, temos uma dívida pública que no terceiro trimestre de 2021 atingia 131,4% do PIB e ainda que se possa argumentar que esta teve origem em medidas destinadas a mitigar os impactos da pandemia, o que é certo é que não há almoços grátis e portanto a fatura aparecerá e alguém vai ter que a pagar. Por outro lado, temos previsões de crescimento do PIB para 2022 que variam entre 4,9% e 5,5% vindas da OCDE e do Governo respetivamente, sendo que as análises mais profundas ficarão para os especialistas.

“Se eu voltasse atrás faria tudo da mesma forma”!

Quantos de nós já não ouviram esta frase lapidar?

Sempre que sou confrontado com ela, sinto como que uma quase reverência pelo orador, misturada com alguma perplexidade. Confesso que, no que a mim diz respeito, faria muitas coisas diferentes, já que as decisões são tomadas com a informação de que dispomos no momento, num determinado enquadramento e são influenciadas por muitíssimas variáveis. Claro que em consciência naquele instante seguimos o caminho certo, mas olhar para trás e assumir

que tudo seria feito da mesma forma, é notável. Tomamos milhares de decisões diariamente que têm impacto na nossa vida, na vida de outros e definem em parte o caminho que vamos seguir. Por isso mesmo, o local onde estamos hoje foi também fruto dessas decisões, não obstante a multiplicidade de condicionalismos que não tivemos possibilidades de controlar.

Se muitos sentem que o mundo parou desde Março de 2020, deixando-os num estado de prostração como que à espera de uma normalidade que teima em não chegar, muitos outros sentiram que essa paragem foi meramente ilusória pois constataram um salto de tal forma gigantesco, que nos parece ter retirado capacidade de o avaliar. A forma como nos cumprimentamos, o distanciamento social, as máscaras, as vacinações sucessivas, o uso massivo de desinfetantes, os testes, os confinamentos, a anestesia coletiva perante as notícias diárias até poderão ter sido mais ou menos circunstanciais, mas o mundo mudou! Segundo um estudo da McKinsey, já antes da pandemia 92% das empresas acreditavam que teriam que implementar mudanças nos seus modelos de negócio de acordo com o ritmo de digitalização da época. O que se passou foi que em poucos meses ocorreu uma aceleração correspondente a cerca de 4 anos, já que a transformação digital ditou em muitos casos a própria sobrevivência das empresas. Ainda estamos muito envolvidos para termos a verdadeira medida da mudança mas, em vez de mencionarmos hábitos de consumo, compras online e outros indicadores que revelam sem margem para




qualquer dúvida que tudo mudou, lembremo-nos apenas que jamais tinha sido criada uma vacina em menos de um ano.


Desafios

As empresas estão agora a lidar com essa transformação acelerada em que a tecnologia tem um lugar indispensável, sem esquecer que nada disto funciona sem uma estratégia, sem processos definidos e sem pessoas. 

Estamos condenados a surfar esta onda ou a ser engolidos por ela, pois os desafios passam por equacionar novos modelos de negócio, novas formas de comunicar, definir realmente em que é que consiste um modelo híbrido e estar disposto a afiná-lo, apostar numa angariação diversificada, escutar os Clientes para lhes entregar cada vez mais valor, conciliar personalização com capacidade de escalar, ter sempre presente a rentabilidade do negócio, usar novas ferramentas de trabalho, apostar em parcerias, estar recetivo à mudança que jamais terminará e trabalhar em Equipa. Sim, desta vez misturei propositadamente aquilo que cabe fazer às empresas e aos profissionais de vendas, pois só com um forte envolvimento se conseguirá ter sucesso.

Apesar de tudo o que até agora foi escrito, há um desafio muito particular que neste momento vejo destacar-se de todos os outros. É urgente conectar!

As consultas de psiquiatria e de psicologia aumentaram, a venda de antidepressivos e ansiolíticos atingiu recordes, os confinamentos encurralaram muitas pessoas num espaço físico que fizeram disparar o risco de violência doméstica, as videochamadas revelaram

algumas realidades até então ocultas, a ansiedade, a angustia e a solidão começaram a ser muito visíveis. Isto teve impacto nas organizações e apesar dos muitos esforços feitos, esta é uma batalha que ainda não está ganha. Muitas das relações deslassaram, muitos contactos entraram em regime de serviços mínimos e a brisa de abertura gradual da sociedade que afastou algumas nuvens mais sombrias, não foi ainda suficiente para resolver este assunto. É pois urgente conectar colegas de trabalho, Equipas, diferentes áreas e departamentos. É necessário incrementar proximidade com Clientes e com Parceiros de negócio. É vital ter conexões fortes com os círculos mais chegados como sejam por exemplo a família e os amigos. E por último, é preciso validar se estamos conectados connosco, pois já que cada um vive consigo próprio diariamente, é interessante que possa ser uma boa companhia. Num inspirado poema recorrentemente atribuído a Pablo Neruda lê-se que “Morre lentamente quem não conversa com quem não conhece. Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo. Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante”. Querer voltar na íntegra a um tempo que passou, não sendo tão extremado como o negacionismo a que temos assistido, equivale a alguém dizer, após a revolução industrial, que em vez do motor a vapor, que entretanto foi aplicado ao comboio, gostava mesmo era de ver cavalos a puxar carroças para fazer o transporte massivo de mercadorias.

Conectemo-nos! Os 





profissionais de vendas fazem um exercício de conexão diário quase instintivo pois não há venda sem relação. É contudo necessário ir para além do que fica da superficialidade dos dias e arriscar novos caminhos de proximidade e cumplicidade. Talvez pela primeira vez na história faça excecionalmente sentido marcar uma ou outra reunião sem agenda, sacrificando por alguns momentos a produtividade. Forcemos o contacto, numa altura em que há colaboradores que entram nas empresas e nunca conheceram outro lugar que não fosse a sua casa. Sem querer entrar em questões filosóficas, mas assumindo que na busca da felicidade há uma tendência para que o ser humano procure o prazer e tente afastar a dor, então isto do conectar ganha um significado acrescido.


As Provas

Todos terão já ouvido falar do Grant Study, porventura o mais completo e longo estudo feito sobre a vida adulta, promovido pela Harvard Medical School. Iniciado em 1938, foi estendido por mais de 75 anos e permitiu ir acompanhando em tempo real 724 pessoas desde a sua adolescência até à velhice, para perceber o que realmente as mantém saudáveis e felizes. Ao longo do tempo foram sendo questionadas sobre a sua atividade profissional, aspetos da vida particular, saúde, e isto não se resumiu a um simples envio de inquéritos, mas implicava a entrada nas suas casas para conversar e respirar o mesmo ar. Um outro estudo realizado há meia dúzia de anos junto da Geração Y, tentou perceber quais eram os objetivos mais importantes para as suas vidas e concluiu que mais 



Pois é… temos informações com alguma relevância a transmitir à geração Y, mas que fazem certamente refletir qualquer pessoa.

de 80% tinha como prioridade ser rico.

O Grant Study, que ganhou maior visibilidade através de uma palestra TED proferida por Robert Waldinger (4º diretor do estudo) chegou a algumas conclusões bem interessantes.

 1. As conexões sociais são boas e a solidão mata. As pessoas que estão mais conectadas socialmente (família, amigos, comunidade) são mais felizes, fisicamente mais saudáveis e vivem mais do que as outras.

2. É muito importante a qualidade dos relacionamentos mais próximos. Viver no meio de conflitos constantes faz mal à saúde, enquanto que viver relações boas e reconfortantes dá proteção.

3. As relações saudáveis protegem não apenas o corpo, mas também o cérebro.

Quem sabe se iremos ainda a tempo de avisar Patrizia Reggiani que estava completamente errada quando disse que “é melhor chorar num Rolls Royce do que ser feliz numa bicicleta”. Em boa verdade, a herdeira da Gucci, que não escondia esta obsessão pela fama e pela riqueza e não olhava a meios para atingir os seu fins, acabou por passar quase 20 anos na cadeia e quando teve oportunidade de sair, com a condição de ter um emprego, recusou porque nunca tinha trabalhado e também não o iria fazer naquela altura. Talvez ela não tenha percebido que a “simplicidade é o mais alto grau de sofisticação”, como terá dito Leonardo da Vinci muitos anos antes. Talvez também não tenha percebido aquilo que o trabalho de facto é. Assumindo que dormimos 8 horas, significa que 50% do tempo em que estamos acordados em cada dia é passado a trabalhar. Ora, se o trabalho for visto apenas como um meio para

obtenção de rendimento que nos permite fazer depois algo de que gostamos, estamos perante um cenário muito pouco recomendável. O Trabalho deve ser também um fim em si mesmo, deve ser algo que nos realiza, deve ser algo que nos orgulha, que cria valor e nos deixa felizes.


2022

O passado não vai voltar e portanto o desafio passa em cada dia por ser feliz com a realidade que formos encontrando e construindo. Somos atores de uma época que tem tanto de desafiante como de extraordinário e de aliciante, e temos por isso que agarrar esta oportuni­dade única de estar por cá, sorvendo o muito que a vida nos põe à disposição. Com isto não pretendo em nenhum momento assumir que o futuro está controlado e que nós somos os grandes heróis que vão domar a fera. A história está cheia de heróis improváveis, não sabemos como reagiremos se tivermos que enfrentar certas adversidades e talvez seja por isso que alguém disse que Deus se diverte imenso a ouvir os nossos planos. A Dinamarca, supostamente o país mais feliz do mundo, tem um conceito que me fascina e que encerra um significado imenso numa palavra intraduzível: “hygge”. Efetivamente não há tradução direta, mas termos como conforto, abraço, convívio, refúgio e intimidade talvez possam fazer uma primeira aproximação, sendo que podemos depois ir mais longe se pensarmos em coisas triviais como estar tranquilamente à lareira a ouvir música ou a ler, sentindo a chuva a bater na janela.

Conectemo-nos pois! Derrubemos muros, façamos pontes, estendamos a mão, conversemos, escutemos, reforcemos a confiança e partamos revitalizados para um Grande 2022 .
















Quem será mais feliz? O meu amigo de São Paulo que mora no tal bairro só ao alcance de alguns, ou o homem do Nordeste que bebia calmamente a sua cerveja na berma da estrada? Apesar dos grandes avanços tecno­ló­gicos, não tenho conhe­cimento que já tenha sido inventado um “felicidadómetro” e portanto esta pergunta vai ficar sem resposta. 

Contudo, talvez o final do poema a que já recorri nos possa dar uma pista preciosa. “Evitemos a morte em suaves prestações, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que simplesmente respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade”.








Newsletter Start&Go