START&GO
25 de Janeiro de 2022





PEDRO AMENDOEIRA

Partner na Expense Reduction Analysts





Todos têm um plano até apanharem um soco na cara











"Todos têm um plano, até apanharem um soco na cara” - foi com esta frase que Mike Tyson respondeu quando lhe perguntaram se estava preocupado com os planos de Evander Holyfield para o combate que se avizinhava.




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os últimos dois anos, todos temos sido socados com violência. Todos os planos que fizemos pré-pandemia, fossem de trabalho ou lazer, tiveram que ser alterados ou cancelados. Sempre que a normalidade parece estar quase a voltar, algo acontece que a adia mais algum tempo, indeterminado.

Ainda assim, continuamos a fazer planos. No final de cada ano é comum fazermos listas do que queremos que aconteça durante os próximos 12 meses. Alguns chamam-lhes desejos, outros objetivos, as empresas chamam-lhe orçamentos.

Porque persistimos em fazer planos quando a realidade nos esmurra repetidamente de modo tão violento? Talvez seja porque somos humanos, e sem ter um propósito a vida nos pareça vazia de significado. Por isso afadigamo-nos a construir listas de tudo o que queremos fazer nos próximos tempos, planos para ultrapassar os desafios, metas a atingir.

Quando as pessoas não se sentem bem no seu trabalho - pelas razões apontadas ou quaisquer outras – começam a procurar soluções.

Porque a Start & Go é uma publicação dedicada ao contexto empresarial, vamos focar este texto no processo orçamental e nas suas inerentes limitações.




A maior parte destas advém justamente de sermos humanos e por isso transportarmos os nossos vieses. Alguns de nós somos preponderantemente otimistas, outros pessimistas. Isto naturalmente influenciará aquilo que achamos provável que aconteça. Fazer este trabalho em equipas poderia diluir este efeito, ao integrar uma amostra alargada de pessoas, mas as decisões em equipa acarretam os seus próprios vieses, resultando por vezes em opções mais extremas do que aquelas a que os membros chegariam individualmente.

Pior do que o efeito dos vieses é o das recompensas. A maior parte dos processos orçamentais está ligado a remuneração e isso pode induzir comportamentos que pervertem o sistema. Sobretudo em multinacionais, onde se vive e morre pelo cumprimento do orçamento, é frequente que se empurrem despesas de um ano para o outro, consoante seja mais benéfico para quem decide. Também se fazem vendas insensatas, a perder dinheiro, apenas para cumprir o valor absoluto de vendas. Conheço um caso em que se ia bem mais além: em anos em que os objetivos de vendas estavam próximos mas não tinham sido alcançados, eram enviadas e faturadas no final do ano grandes encomendas para as Ilhas, sem que tivessem sido pedidas pelos clientes. Quando lá chegavam, em janeiro, eram prontamente devolvidas, a custo naturalmente do fornecedor, mas os resultados do ano tinham sido atingidos.


Se os orçamentos são assim tão propensos a erros e manipulação, deveremos abandonar essa prática? As vantagens do processo são muitas (apoiar visão comum, repensar metas e necessidades, preparar tesouraria, etc.), e suplantam largamente os seus inconvenientes. Estar consciente das limitações do processo e de como pode ser distorcido ajudará a mantê-lo mais saudável, ainda que nunca perfeito.

Em relação a precaver tanto o efeito dos murros dados pela realidade, como dos vieses, ter não um mas vários orçamentos poderá ajudar. Planear versões extremas (otimista/pessimista) poderá ajudar a preparar melhor cenários como os que temos enfrentado, em que as vendas ou os custos ficam bem longe do planeado, seja acima ou abaixo.

Desenhar cenários diversos pode ser uma forma de repensar estratégias de vendas, de modo a criar rentabilidade sustentada. Trocar despesas fixas por variáveis pode fazer sentido em muitos casos. Reduzir custos encaixa em qualquer orçamento, ao minorar os efeitos de maus cenários.

Posso não saber muito sobre o que nos reserva 2022 (não tenho bola de cristal), uma certeza tenho: vamos ser atingidos por muitos murros na face. Não há receitas nem milagres. Os planos serão abandonados, mas ter vários será útil. Quem melhor preparado esteja para lidar com os inevitáveis socos - e para contra-atacar - ganhará os seus combates.


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