23 de Janeiro de 2022





FILOMENA LOPES

Docente Universitária | Investigadora 



Uma Visão integrada para as oportunidades da transição digital


Nos dois últimos anos, temos assistido a um aparecimento de oportunidades para o emprego nas áreas dos Sistemas e Tecnologias de Informação (STI). No entanto, estas oportunidades emergentes ainda estão longe de serem realizadas.

 


É

necessária uma visão integrada partilhada entre escolas secundá­rias, psicólogos de orientação profissional, universidades e empresas torna-se fundamental.

Há 35 anos que tenho responsa­bilidade por estágios curriculares em cursos das áreas dos STI. Nunca houve dificuldade em encontrar locais para estágio, apesar de já termos vivido épocas menos fáceis nestas áreas: não só porque a procura por parte das empresas não era tão elevada, mas também porque se viveu durante alguns anos com o estigma do “nerd”, que levava a que menos alunos procurassem estas áreas.

Contudo, sobretudo a partir de 2017 quando a OECD mostrou a necessidade de se alavancarem na Europa os cursos nas áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), começou a verificar-se uma procura crescente por estes cursos e, simultaneamente, foi-se diluindo entre os jovens em idade universitária a imagem negativa do “nerd”, o até então “anti social”, que passava horas à frente de uma máquina.

Mas o que mudou mais?

As empresas também mudaram. Enquanto tradicionalmente as empresas que acolhiam os estagiários eram maioritariamente empresas tecnológicas, hoje já observamos um outro panorama.

Grandes e médias empresas de produção e de serviços e consultoras já “lutam” por acolher estagiários das áreas dos STI. A procura deixa de ser só por programadores de software e passamos a ter procura por analistas de sistemas de informação e de processos de negócio e por especialistas em ferramentas tais como RPAs (Robotic Automation Process), BI (Business Inteligence), SharePoint, ERPs (Enterprise Resource Planning) e até como Low Code. Verificamos nestes últimos anos um crescimento exponencial da procura por estagiários com competências em gestão e simultaneamente em tecnologias de informação. É com agrado que verifico que as empresas portuguesas reconhecem a importância deste perfil híbrido de licenciados para que consigam fazer a tão ambicionada transição digital. Em paralelo a procura de programadores continua, mas com competências tecnológicas um pouco diferentes: ciber-segurança, de machine learning ou de big data.

Face a este crescimento da procura por estagiários das áreas dos STI chegámos ao ponto de habitualmente já não haver licenciados suficientes para satisfazer a procura de estagiários.

Esta nova realidade de oportunidades de emprego nas áreas dos STI também está espelhada nos títulos dos jornais e nos telejornais. Fazendo uma procura no Google aparecem-nos, só para o último mês de novembro, cerca de 5 mil

empregos nas áreas dos STI, dos quais alguns nem licenciatura exigem. E, muito recentemente, todos tomamos conhecimento que só a Delloite prevê criar até 4 mil postos de trabalho nesta área nos próximos 4 anos.

Mas será que estamos a acompanhar, como devemos, este crescimento de procura?

Infelizmente não.

Ao nível do ensino secundário, fase em que os estudantes se começam a preocupar pela sua opção universitária, não existe nenhuma disciplina obrigatória nas áreas dos STI.

Além disso, se observarmos os exemplos das atividades profissionais que são listadas nos testes de orientação vocacional utilizando o referencial COPS (California Ocupacional Preference System), ficamos perplexos, pois já não parecem ajustadas aos jovens da geração Z, que nasceram com a WWW e cresceram em permanente contacto com as tecnologias digitais.

A única saída profissional nas áreas dos STI que aparece nestes testes de orientação vocacional, incluída na área de interesse de Ciência, é a de programador. Por sua vez, na área da Tecnologia, não aparece nenhuma saída profissional na área dos STI. Já na área de Economia encontramos o programador de gestão, mas não encontramos o analista de sistemas de informação, apesar de encontrarmos, por exemplo, o analista de sistemas


económicos e o analista de estudos de mercado. Saídas profissionais relacionadas com os sistemas de informação, área-chave da Sociedade da Informação, estão quase completamente ausentes destes testes. Para os estudantes indecisos em relação ao seu futuro profissional, as atividades listadas entre as quais podem escolher aquelas com as mais se identificam, não referem uma única atividade profissional característica das profissões de sistemas de informação nem das profissões de informática, como, por exemplo, a já tão

tradicional atividade de desenvolver software para resolver um problema da sociedade. Como é isto ainda possível numa sociedade digital?

Nas áreas dos STI, temos estado nos últimos anos a atravessar uma fase de crescentes oportunidades profissionais, em consequência da crescente procura por parte das empresas por profissionais da área. Mas estarão os nossos jovens a ser bem orientados profissionalmente para aproveitarem estas oportunidades? Infelizmente, penso que não. Penso que ainda estamos a desperdiçar

oportunidades.

No passado mês de novembro tomamos conhecimento que este ano Portugal subiu 3 posições no ranking digital da UE. Mas não basta criar infraestrutura para a transição digital. É preciso criar um ecossistema, formado pelo ensino secundário, psicólogos de orientação vocacional, universidades e empresas para que esta transição realmente se faça e não se limite a mera mudança de “cablagem”.



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