RUI GUEDES
Diretor de Vendas das Páginas Amarelas
Ornatos
Se de forma simplificada olharmos para a cultura como um conjunto de costumes, de tradições, de crenças, de padrões morais e de manifestações artísticas que caraterizam um povo ou determinado grupo, podemos porventura dizer que o conceito diz respeito a tudo o que esse povo ou grupo, sente, pensa e faz.
Com esta definição de partida, rapidamente se chega a outro conceito, já que é muito comum a associação da cultura à arte e aí, podemos falar de escultura, pintura, literatura, dança, cinema, teatro, fotografia e música entre outras. A arte poderia ser então uma forma de representar e materializar a cultura e talvez seja lícito concluir que tudo o que é arte é cultura, mas nem tudo o que é cultura é arte.
Aqui chegados, seguimos para uma noção de cultura organizacional vista como um conjunto de costumes, valores, crenças e ações que caraterizam a forma como uma organização se comporta e traça um rumo para os seus negócios.
Apesar de nem sempre ser fácil uma materialização daquilo que referimos, é certo que este pulsar interno vivido em cada empresa fornece alguma previsibilidade, na medida em que as pessoas sentem se são ou não ouvidas, se o trabalho de grupo é valorizado, se os meios importam para se chegar aos objetivos, qual é a importância do Cliente em todas as ações desenvolvidas e todos estes “detalhes” acabam por ser determinantes na criação de um saudável sentimento de pertença.
Tendo passado por várias empresas com histórias de dezenas de anos construídas em cima de percursos muito vincados e diferenciados entre si, posso afirmar que esta consciência coletiva não colide, de todo, com uma desejável diversidade, com o respeito pela individualidade de cada um e pelo espaço
que cada pessoa deve ter para poder crescer e se afirmar.
A tentação de olhar para estes temas e discorrer sobre aquilo que é ou não arte, é evidente, mas para o que interessa relativamente às vendas, retenhamos que se deve continuar a exigir uma boa nota artística a qualquer Vendedor digno desse nome. Claro que esta componente menos pragmática usada num processo de venda, não deve levar o profissional a desarvorar por um caminho sem regresso no qual foi colocando mais ou menos ornatos para embelezar um diálogo vazio de conteúdo. Até à data, quem corporizou uma conjugação de ciência e arte num único ser com resultados que transcendem a nossa compreensão imediata foi Leonardo da Vinci e portanto é bom que nós, simples humanos, desçamos à terra e nos foquemos “apenas” no Cliente, recordando conceitos como a experiência, a satisfação e a centralidade.
De qualquer modo, como de cultura se fala, como a arte lhe está intrinsecamente ligada e como a música tem aqui um papel de evidente relevo, peguemos então numa simples canção de uma banda de culto portuense que conseguiu com apenas 2 álbuns deixar uma obra marcante e criar uma legião de fiéis seguidores. A escolha mais óbvia dos Ornatos Violeta seria o “Ouvi Dizer” mas a opção pelo “Capitão Romance” pretende desde logo relevar um ponto que considero fundamental. O gosto não se discute e como adicionalmente nenhum dos leitores deste texto terá já idade para esconder os seus “guilty pleasures” musicais, podemos encarar de frente aquilo que nos toca verdadeiramente, ____________________
sem risco de deixar escapar algum sentido de pertença, pois o contrário desta opção, poderia sim, levar a uma perda de afirmação da individualidade.
Neste caso concreto, como se trata de uma banda que passou a ser respeitada até pelos mais circunspectos críticos, nem se corre o risco de uma escolha socialmente questionável, contudo o que me traz a este romance, além do gosto pessoal, é o ambiente sonoro, os arranjos, a interpretação, a escolha dos instrumentos e uma mensagem que, como é normal nas mais variadas formas de arte, interpretei de um determinado modo, assumindo sem qualquer receio, que poderá ser muito diferente da que estava na intenção inicial do autor. Esta subjetividade é também uma das atrações que a arte exerce em cada um de nós.
Vejo nas frases iniciais e depois praticamente ao longo de toda a letra, uma contradição constante entre a desistência eminente (“pelo tamanho das ondas conto não voltar”, “esperam-me homens que desistem”,…) e a coragem de seguir em frente contra todas as adversidades (“o que eu quero é navegar”, “parto rumo à Primavera”, “esperam-me ondas que persistem”, “parto rumo à maravilha, rumo à dor que houver pra vir” …). Vejo também um lamento de quem olha para trás e reconhece que as muitas coisas que lhe tocaram foram passando sem que lhes tivesse sido dada a importância que merecia (“e ao fim não toquei em nada, do que em mim tocou”). Esta contraposição que desagua num lamento, tem o seu momento maior numa frase que faz a síntese de tudo e é