30 de Dezembro de 2020





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VÍTOR BRIGA

Formador de Criatividade e Comunicação


Fotografias D.R.


VIETNAME – NINGUÉM GANHA NA GUERRA.


‘If you’re going through hell, keep going.’ Winston Churchill



Na guerra do Vietname, os guerrilheiros viet­con­gues consegui­ram vencer o exército a­me­­ri­­ca­no com forte estratégia e criati­vidade, demons­tran­do que até o mais poderoso dos exércitos pode ser derro­tado, se não tiver o planeamento certo e o treino adequado para agir em contextos imprevisíveis e duros como, neste caso, o rigor das selvas.

As táticas de guerrilha usadas pelos vietcongues estão entre as mais bem-sucedidas da história. Eis alguns aspetos importantes que levaram à sua vitória: aprendiam as técnicas inimigas em longos períodos de treino e estudo intenso e encontravam formas de se adaptar a elas. Era também habitual, após o combate, o grupo de soldados reunir-se para debater o resultado. A autoanálise e o feedback eram ferra­mentas importantes nas táticas empregues por estes guerrilheiros e, desta forma, aprendiam bastante com os seus erros, conseguindo sempre antecipar as estratégias dos americanos e surpreendendo no terreno.

As fardas dos vietcongues eram simples, aliás não existia uma farda rigorosa ou oficial: usavam camisas e calças de cor verde escura, sandálias de borracha e um chapéu de selva, mas também podiam usar as fardas dos soldados americanos que matavam, ou simplesmente vestirem-se de campo­neses, com roupas capazes de ocultar as armas, para que se pudessem misturar com a população e passarem desper­cebidos ao inimigo.

A maioria das ações de guerrilha envolviam ações rápidas, num terreno difícil e praticamente novo para o ini­migo: armadilhas rudimentares bem ____

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po­si­ci­onadas para causar danos ex­tremos, “buracos de aranha”, valas cava­das pelos próprios guerrilheiros, onde ficavam horas escondidos cobertos com folhas secas e preparados para atacar subitamente o inimigo caso ele se aproximasse.

Uma das “armas secretas” dos vietcongues, eram os famosos túneis, escavados com as mãos ou com ajuda de pás, atingindo até 20 metros de profundidade e 120 quilómetros de extensão. Estes túneis eram inter­conectados com várias outras cavernas ou valas, tornando os seus movimentos completamente imprevisíveis para os adversários.

Em 2014, tive a oportunidade de visitar o complexo mais famoso de túneis, que ficava no distrito de Cu Chi, a cerca de 70 quilómetros a sudeste de Saigão, a capital do Vietname do Sul, atual Cidade de Ho Chi Minh. São mais de 100 quilómetros de túneis, uma estrutura subterrânea com enfermarias, cozinhas, dormitórios, armazéns de comida e munições, salas de pla­ne­amento e tudo o que era necessário para sobreviver durante dias a fio nesta dimensão espacial ‘paralela’.

No auge da guerra, os soldados vietnamitas passavam os dias neste inferno debaixo do solo, um labirinto emaranhado de terra, baixo, muito apertado, quente e escuro, só saindo à noite para encontrar comida e preparar novas armadilhas. Todos os habitantes nos túneis tinham lombrigas e vermes no estômago devido a todas estas condições e ao facto de os suprimentos de comida e água serem tão limitados.

A parte mais inesquecível da minha visita, foi o momento em que tive a oportunidade de andar debaixo de terra, dentro dos túneis cerca de oitenta a cem metros. Agachado e em passo rápido, ___

segui o guia, ansioso por ver a luz da saída e focado para não me perder nos inúmeros cruzamentos daquele labirinto. Não é uma experiência aconselhada a quem for claustrofóbico, mas permite ter uma leve perceção da loucura que pode ser o comportamento humano em am­biente de guerra.

Após minutos, que pareceram uma eternidade, saímos do túnel e grato por ver a luz do dia e respirar bem novamente, juntei-me ao grupo que me acompanhava para ouvirmos as men­sagens finais do nosso guia local. Nesse momento, o simpático vietnamita dizia, com orgulho, que o seu povo era afável e hospitaleiro, pois apesar de tudo o que aconteceu durante a guerra e daquilo que os americanos os fizeram sofrer, agora estão a receber turistas americanos de coração aberto, com tudo resolvido e perdoado, pois há que deixar o passado no passado.

­Este momento positivo de harmonia foi interrompido por um comentário, um pouco tóxico, de um turista espanhol que decide questionar: “Pois, pois, vocês ago­ra dizem isso, mas é porque ganha­ram a guerra!” ao que o nosso guia, após um olhar sério e um silêncio incómodo, res­ponde de forma seca e pesada “Nin­guém ganha na guerra!”

Uma vez que antes ele já me tinha confidenciado que o seu pai tinha sido um dos mortos da guerra do Vietname, aquele momento, e aquela resposta, fo­ram bastante significativos.

Penso que nas nossas relações pessoais, e nas relações profissionais em equipa, devemos distinguir entre am­biente de guerra e conflitos. Creio que a pior guerra é aquela que existe quando não somos capazes de assumir e gerir os conflitos. Isto faz-me lembrar o modelo de desenvolvimento das equipas desen­volvido por Bruce Wayne Tuckman _____

Apesar de, entretanto, terem sido desenvolvidos outros modelos mais com­plexos e completos, este continua a ser um modelo útil para debatermos a vida das equipas. Inicialmente o modelo pre­via quatro fases das equipas que se cara­terizam, segundo Tuckman, da seguinte forma:


Forming: fase da identificação das metas. Caracterizada por um grande entusiasmo e baixos níveis de compe­tências. Nesta etapa ocorre a formação do grupo: compartilha-se metas, tarefas e abordagens no trabalho, as pessoas querem se identificar com os outros e sentir-se parte da equipa. Alguma ten­dên­cia para querer criar boas impressões iniciais e “simpatia” forçada na busca de aceitação social.


Storming: fase da definição das responsabilidades de cada membro. Caracterizada por baixo entusiasmo e baixos níveis de competências. Nesta etapa pouco trabalho é realizado, já que as metas estão definidas, porém os pa­péis e responsabilidades de cada membro do grupo ainda não, surgindo assim vários conflitos até estas definições. Algumas incompatibilidades pessoais, __ 

finalmente assumidas, podem criar ruído, peso nas relações e desfocar das metas.


Norming: fase da definição do processo de trabalho. Caracterizada por aumento de entusiasmo e níveis de competências, aqui o grupo começa a ganhar sua identidade. Existem menos conflitos, já que os membros se conhecem melhor, sabem dar feedback honesto e empático e respeitam as suas diferenças e competências.


Performing: fase de alta produ­ti­vidade, execução e melhoria do processo. Caracterizada por entusiasmo e níveis de competências altos. Os mem­bros do grupo já entraram em acordo com as metas, processos, papéis, respon­sa­bilidades e estilo de trabalho. A nece­ssi­dade de supervisão é pequena, porque o grupo já consegue produzir e reagir às mudanças por conta própria. A geração de acordos é fruto da confiança, resul­tando em membros altamente moti­vados para o trabalho aliado a uma produ­tividade alta e com cooperação. As regras do grupo estão mais flexíveis e fun­cionais, a identidade está muito bem ____

definida, há sentimento de orgulho em pertencer ao grupo e lealdade entre os membros.

De facto, ninguém ganha na guerra, mas, como se pode ver neste modelo, podemos ganhar muito em assumir os nossos conflitos, falar sobre eles, aceitar diferenças, alinhar novos compor­ta­men­tos e andar para a frente. O problema existe quando estamos desconfortáveis com algo, não somos capazes de falar, e ficamos numa espécie de “paz podre” ou storming latente que que instala uma guerra que perdura e que leva a que as relações se enfraqueçam, num jogo malévolo de egos que se querem sobrepor e se magoam. Um ambiente de desconfiança permanente e ações “feias” que culminam necessariamente com o fim da relação ou da eficácia da equipa.

O conflito fará sempre parte das relações e das equipas saudáveis e consistentes que querem chegar longe. Não querer, ou não saber, gerir esses conflitos é o que instala o ambiente de guerra com o qual ninguém ganha. 

Há que ter a coragem de assumir o storming de forma assertiva para podermos evoluir. Como disse Churchill, se estiveres a andar pelo inferno, continua a andar…


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