30 de Dezembro de 2020





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PEDRO AMENDOEIRA

Partner na Expense Reduction Analysts


Fotografias D.R.



O que não vemos é o que nos mata


Desabafou-me certa vez um amigo, empresário, que ficava muito confuso quando falava com o seu contabilista.

 


E

ste falava-lhe dos ótimos lucros que a empresa do meu amigo estava a ter, e no entanto ele todos os meses tinha dificuldades de tesouraria.

“Como é possível” – perguntava ele – “todos os meses tenho lucros e todos os meses é complicado arranjar dinheiro para pagar pessoal, fornecedores e impostos? Não me deveria sobrar dinheiro?”.

Este meu amigo, como outros empresários (e alguns contabilistas), tinha dificuldade em destrinçar os lucros do cash-flow. O primeiro é um conceito teórico, útil para calcular impostos e mostrar aos bancos, pouco mais. O segundo é o que permite efetivamente pagar a todos os que prestam serviços à empresa e remunerar os acionistas. É o sangue da empresa, o dinheiro.

O que os separa então? Do lado das entradas, no momento em que se emite a fatura entra para o cálculo dos lucros, mas só quando cobramos é que entra o dinheiro. Quanto maior este desfase temporal, maior a diferença entre estes conceitos. No caso extremo de um cliente que demore alguns meses a pagar, posso ter inclusive que pagar o IVA ao Estado sem o ter recebido do cliente. Por exemplo, para uma venda de 1 000 euros, posso ter que adiantar 230 euros ao Estado. Neste caso para o cálculo dos lucros entrariam 1 000 euros, mas do banco saíram 230.

Do lado das saídas, algo similar se passa com os recebimentos, mas aqui com o sinal contrário – quanto mais alargados forem os prazos de pagamento, maior é a diferença entre os dois conceitos, mas desta vez a nosso favor. Acrescem ainda três outros fatores: os stocks, os investimentos e os finan­ciamentos. Se adquirirmos stocks que estejam parados, contabilisticamente é neutro, mas o dinheiro saiu.



Quando adquirimos um novo equipamento ou máquina, contabi­listicamente o custo é diferido ao longo de anos, mas o dinheiro pode sair todo agora ou em prestações que dificilmente coincidirão com o critério de amor­tização. Quanto aos financiamentos, dos bancos ou dos sócios, podem ter sinal positivo no cash-flow (dinheiro que entra) ou negativo.

Sugeri ao meu amigo que pedisse ao seu contabilista umas linhas adicionais ao mapa dos resultados que tanto o confundia:


  1. Variação de stocks  
  2. Investimentos (retirando amortizações)
  3. Variação de devedores
  4. Variação de credores (incluindo bancos, sócios, etc.)


Assim passou a ter um número muito mais próximo de quanto dinheiro estava a ganhar ou perder mensalmente.

Trabalho com otimização de custos, onde a relação é normalmente direta: um euro que não se gasta vale o mesmo euro em lucros e soma na tesouraria. Este é um excelente campo a trabalhar para melhorar resultados.

Muitas empresas morrem por falta de liquidez e nem sempre por falta de lucros. 


Um olhar mais atento à liquidez pode ser uma das grandes lições de 2020. 

O que não conseguimos ver é o que nos mata.




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