30 de Dezembro de 2020









JOSÉ CARLOS PEREIRA

Especialista em Vendas e Negócio Internacional


Fotografias D.R.


E que tal passar do mundo VUCA para o mundo BANI?


Ficou curioso? O que é isso do BANI, quando já andamos cansados do VUCA?

A frase “Estamos num VUCA world.”, das últimas três décadas, já cansa (Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity). VUCA é o acrónimo para abordagem a um mundo/mercado volátil, incerto, complexo e ambíguo.



E espantem-se, pois, em­bora de uso recor­rente nos últimos anos, esta termino­logia surgiu no final dos anos 80 com o desmembramento da URSS e o apareci­mento de um novo formato de guerra fria – depois foi também aplicada a cenários na Guerra do Golfo de 91. Simplificando, era uma estratégia de abordagem a cenários de guerra, segundo os registos a que tive acesso. Passou depois para a linguagem do mundo dos negócios, sendo transversal à formulação da estratégia empresarial de exploração de mercados internacionais.

Com um mundo acelerado de transformação nos últimos meses, julgo que já não se retirará grande proveito deste modelo de abordagem. Estamos, então, num período que vai muito para além da complexidade e aponta para uma aproximação ao caos. Veja-se a atual pandemia, saúde pública, política e eco­no­mia internacional, para não falar das alterações climáticas, que tocam a todos direta ou indiretamente. E é este novo mundo BANI que quero explorar neste artigo.







Traduzindo o acrónimo, falamos ago­ra de um novo mundo que é Frágil, Ansio­so, Não-linear e Incompreensível (Brittle, Anxious, Non-linear and Incomprehensible). Julgo fazer muito mais sentido nos tempos que correm, e quem pela primeira vez o referiu foi Jamais Cascio há cerca de meio anos (ver o artigo “Facing the Age of Chaos” na medium.com).

Fará sentido esta nova visão? Estará mais adequada à turbulência atual que __

todos vivemos? Aplica-se para os próximos anos?

Vejamos: aquilo que observamos como volátil passou a não ser confiável; a incerteza vai para além da insegurança e desagua em ansiedade; a complexidade passou a ser explicada por sistemas lógicos não-lineares; e a ambiguidade traduz-se, agora, em grande incom­preensão.


# FRÁGIL (BRITTLE)

Não podemos confiar em algo que facilmente pode ser destruído e posto em causa, principalmente em ambientes turbulentos. Mesmo que o nosso sistema nos pareça confiável, flexível e inabalável, já demos conta que não é bem assim. No nosso atual mundo BANI, o modelo capitalista de globalização de mercados pode até parecer forte, mas não é, como nestes últimos meses ficou bem demonstrado; ou foi colocado em causa, tal como o conhecemos – crescimento das economias a todo custo e crescimento de resultados em empresas sem sustentabilidade, por exemplo.

Já concluímos que estamos todos conectados e ligados. Esta crise eco­nómica nas cadeias globais de valor veio, provavelmente, desacelerar o processo de integração e a dinâmica comercial entre os países e mercados (nem que seja temporariamente), com impacto direto no comércio internacional e até no modelo de organização industrial e logístico. Os impactos na produção e no consumo foram brutais – com grande parte das cadeias de abaste­cimento e de consumo interrompidas – emer­gindo experienci­alismos econó­micos e sociais sobre os quais ainda desconhecemos

        repercussões diretas e colaterais.

        Ou seja, a interrupção de um sistema num país pode colocar em causa outros sistemas, e não há um sistema de segurança global que impeça essa quebra ou destruição. Veja­-se, por exemplo, o abastecimento de alimentos, o forne­cimento de energia ou mesmo o comércio internacional.


        # ANSIOSO (ANXIOUS)
        O medo é paralisante e adia decisões (projetos e investimentos). A ansiedade é típica de quem vive o futuro estando no presente – note-se, o aqui e agora é o único tempo que realmente temos. E esse mesmo futuro passou a ser incerto e carregado de ansiedade. Como planear sem dados?
        A probabilidade de tomar decisões erradas é enorme. Parece que estamos sempre na expectativa de dados ainda mais desastrosos (económicos e de saúde). A passividade aumenta nas decisões e na sensação desesperante de oportunidades perdidas. A atual pande­mia veio acelerar questões de saúde mental, depressão e ansiedade, que já se viviam nos últimos anos. É um panorama que não é fácil, sendo impossível medir potenciais conse­quências devastadoras na saúde mental do planeta.
        Há um dilema que enfrentamos, hesitando entre um isolamento naci­ona­lista e uma entreajuda e abertura global. São mercados, países e governos com dife­­rentes forças e recursos para comba­ter a incerteza e mitigar a ansiedade. E estou certo de que estamos todos na mes­ma “turbulenta tempestade” – talvez não no “mesmo barco”.

        # NÃO-LINEAR (NON-LINEAR)

        A “lei de ferro” do universo é a lei da causa-efeito. Mas estamos a passar por tempos em que há uma relação, mas pouco linear. Uma causa não leva ao efeito esperado de uma forma propor­cional: pequenas decisões que conduzem a resultados catastróficos; mudanças que demoram a proporcionar efeitos ou só mais tarde são visíveis; um grande esforço que pode redundar num pequeno resultado… É um paradoxo, embora reconheça que o mundo é paradoxal.

        Como é que uma pandemia provocada por um simples vírus, que nem é um organismo vivo, provoca uma crise sem precedentes em termos de impacto à escala mundial?! E julgo que ainda estamos no início de algo que pode durar meses ou mesmo anos (e eu sou entusiasta por natureza!).

        Já pensou nisto para justificar a proporcionalidade das coisas? Poderí­amos aqui também juntar o aquecimento global, que, em certa medida, foi provocado pelas emissões gasosas da indústria dos anos 80. Ou seja, as consequências de algo (uma causa) podem demorar anos a acontecer. E quantas mais ainda vão acontecer, ou já estão a acontecer e não são visíveis? Muitas! Julgo é que deveremos aprender a viver com as consequências, em vez de as tentarmos combater com medidas draconianas ou de nos deixarmos contro­lar por elas.


        # INCOMPREENSÍVEL (INCOMPREHENSIBLE)

        Se é desproporcional, então não tem lógica, pelo menos para o nosso cérebro. E se não tem lógica, passa a ser incom­preensível. Veja-se o caso da proliferação da Inteligência Artificial (IA), dos algoritmos em quase tudo, dos softwares e da programação (código). Há um padrão lógico, mas a causa-efeito não faz sentido: imagine apagar uma única linha de código em milhares de linhas… e nada funcionará.

        ­Como responder a todo este “novo diferente” incompreensível? Acredito que a interação mais rápida é melhor do que um plano perfeito; que a competência é mais valiosa do que o excesso de controlo num processo; que a experimentação é mais vantajosa do que a correção; que a permissão de erros é mais profícua do que a sua penalização; que a comu­nicação em intervalos mais curtos é mais relevante do que reports exaustivos; que a responsabilidade pessoal é melhor do que processos com excesso de des­crições/funções; que 100% de controlo em alguns métodos básicos é preferível a abordagens altamente inteligentes e com­­plexas… e por aí fora!

        Como seres humanos, temos dois ti­pos de capacidades – as físicas e as cognitivas. No passado, as máquinas só com­petiam connosco nas aptidões fí­si­cas, e tínhamos uma grande vantagem no

        que diz respeito à cognição. Contudo, a IA começa agora, e progressivamente, a ter melhor desempenho que os seres humanos, no que respeita a aptidões como aprendizagem, comunicação e mesmo emoções. Não é só velocidade e esperteza no processamento de dados (computação), pois neste momento a IA já se alimenta de muitos avanços feitos nas ciências da vida e nas ciências sociais, beneficiando de cada vez sabermos mais sobre os mecanismos bioquímicos que controlam as emoções.

        E se também nós formos algoritmos bioquímicos, como a ciência está a começar a demonstrar como um facto científico e não um argumento? E se a chamada “intuição humana” for, na verdade, um reconhecimento de pa­drões?

        Dentro de todo este novo mundo BANI, é importante notar que podemos não compreender, hoje, vários aspetos. Mas a tecnologia do futuro, a IA e os efeitos cibernéticos (cérebro humano + tecnologia) tornarão, provavelmente, muitas coisas compreensíveis amanhã.

        Com este artigo não quero, de todo, ser pessimista. Nunca o fui. Não tenho medos, mas tenho muitas dúvidas e incompreensões. Parece-me que esta estrutura BANI consegue ser mais “inteligente” e produtiva, neste momen­to, do que a estrutura VUCA. Dá, efetivamente, mais sentido a um novo mundo, para compreender melhor as ligações entre causas e efeitos e, acima de tudo, tentar encontrar uma estrutura estável para avaliar o que está a acontecer.

        Se é frágil, a solução pode ser ______


        competência e resiliência. Se nos sentimos ansiosos, precisamos, então, de empatia e atenção (humanidade e presença). Se algo não é proporcional, a exigência é o contexto e a adaptabilidade. Se é incompreensível, requer transpa­rência e intuição.

        Os desafios futuros são consideráveis. O fator “confiança” dos negócios caiu muito nos últimos meses. A confiança é contagiante, assim como a sua falta. A recuperação ainda está longe de acontecer. Se estivermos mais bem preparados para ler tendências e nos adap­tarmos, mesmo fortemente condi­cionados, poderemos vislumbrar um futuro mais risonho.

        Estou certo de que esta descon­tinuidade nos negócios traz também grandes oportunidades para a sociedade e para as empresas. São tempos desafiantes, embora reco­nhe­cidamente muito difíceis. Como sou um entusiasta por natureza, gosto de afirmar que nem tudo foi negativo: aceleração da digitalização de processos; crescimento significativo do comércio online; maior competitividade na procura de soluções mais sustentáveis…

        A instabilidade atual pode levar muito tempo a ser revertida. O caminho deve ser sempre a cooperação no pensamento geoestratégico de cres­cimento da riqueza mundial e, também, a sua distribuição mais justa em modelos colaborativos.


        Aprender, reaprender e voltar a aprender será um dos maiores ativos no futuro da humanidade – e daí o eterno aprendiz que cada um de nós deve ser!

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