1 de Julho de 2020









RUI GUEDES

Diretor de Vendas das Páginas Amarelas


Fotografias D.R.


Exijo manter o meu gabinete!


Apesar de me ter mantido sempre no ativo nestes tempos de pandemia, reconheço que tenho vindo a fazer alguns ajustes. Comecei por trabalhar numa mesa redonda sentado numa cadeira que por aqui estava, mas a realidade foi-me mostrando porque é que as secretárias dos escritórios eram retangulares e as cadeiras tinham aquele formato.



A ergonomia é algo de que não se fala, porque é vista como um dado adquirido, mas quando come­çamos a trabalhar em casa durante um considerável período de tempo, percebemos que as interações que estabelecemos com tudo o que está à nossa volta, a começar desde logo pela iluminação, tem uma importância decisiva na nossa produtividade e bem-estar.

Diria que ao dia de hoje, a situação não estando perfeita, está a um nível que me deixa muito satisfeito, sabendo que envolveu algumas mudanças na gestão do espaço, algumas intervenções técnicas, bom senso e compreensão de todos na partilha do espaço familiar. Como já terei dito, continuo a levantar-me à mesma hora e a seguir um conjunto de rotinas que me ajudam muito a gerir a vida num espaço que é agora mais curto e que por vezes parece não nos deixar voar. O facto de, por exemplo, me vestir praticamente como se fosse para o escritório, ajuda-me a conseguir mudar completamente de ambiente quando ao fim da tarde visto uma Tshirt e uns calções e mudo fisicamente de lugar.

Na tentativa de disciplinar o tempo alocado ao trabalho que, neste regime facilmente se prolonga até ao jantar que já de si é tardio, tenho tentado também impor-me alguns horários para poder desligar ao fim da tarde, praticando outras atividades, como música, desporto, leitura, escrita, formação, estar com a família, etc.

Num destes dias estava a rever umas fotografias de uma viagem à China e acabei por me fixar apenas numa que tirei e que mostra a imponência da Praça ____










Tian'anmen (a maior do mundo) com a entrada da Cidade Proibida lá ao fundo, na qual é possível ver o gigantesco retrato de Mao Tsé-Tung. O curioso disto é que o nosso pensamento se encarrega de encadear conexões e num segundo estava a recordar a magnífica obra de Bernardo Bertolucci que nesse ano ganhou tudo o que havia para ganhar, incluindo Oscar para melhor filme, para melhor realizador, melhor fotografia, banda sonora (Ryuichi Sakamoto e David Byrne) entre muitos outros prémios. “O Último Imperador”, o filme que aqui menciono e que muitos terão já visto, conta a história de Pu Yi, que foi de facto o último Imperador da China e chegou ao trono ainda antes dos três anos de idade.

Foi educado dentro da majestosa Cidade Proibida sem qualquer contacto com o mundo exterior, acompanhado por centenas de fieis servidores, acabando ______


        por ser como que um prisioneiro numa luxuosa prisão, já que as tradições e os protocolos não ofereciam grande margem à criatividade. Entretanto fora do Palácio Real a China tremia, o mundo mudava e tudo isto culmina com a instauração de uma República que acaba com 2.000 anos de um sistema Imperial. Com cerca de 6 anos de idade e tratado com todas as mordomias, o pequeno imperador não percebeu que o mundo tinha mudado e que em boa verdade estava proibido de ultrapassar os limites da Cidade Proibida. A vida de Pu Yi foi de tal forma rica e diversificada que alguém entendeu em boa hora que podia dar um filme, já que depois de ter sido afastado do trono regressa como imperador fantoche do Japão e acaba a sua vida como um tranquilo jardineiro no jardim botânico de Pequim, assumindo ainda a função de bibliotecário.




        Há uns dias atrás tive que tratar pessoalmente de uns assuntos no escritório e sentei-me normalmente no meu gabinete onde já não entrava há algum tempo. Talvez por ter estado mais ausente e por tentar ler com alguma atenção a realidade que vivemos nos dias de hoje, senti aquele espaço físico de uma forma completamente diferente. Apesar daquele retângulo nunca ter sido um estatuto, mas uma decisão muito racional ancorada em questões meramente funcionais, é um espaço simples mas agradável. Tem uma secretária, uma mesa de reuniões, dois armários, um bengaleiro e uma janela a toda a largura, que deixa entrar muita luz natural. É ali que tenho trabalhado nos últimos anos sempre com uma política de porta aberta e com a consciência de que tem sido muito bem rentabilizado, já que ali se fazem várias reuniões com colegas, parceiros, Clientes, é ali que se fazem one2one com os colaboradores que me reportam diretamente, participo em várias videoconferências e com tudo isto, liberto as salas de reuniões em permanência para outras utilizações e pessoas.

        Ao sair do escritório olhei novamente para aquele espaço e perguntei-me se tudo aquilo fazia sentido. Será que as mudanças ocorridas nestes últimos meses e que tanto têm influenciado a forma como ocupamos e partilhamos o espaço nos restaurantes, nos cafés, na praia, no espaço público em geral, nos locais de trabalho, não me deveria levar também a repensar a utilização do local que ocupo, independentemente daquelas iniciativas que se vão estudando, considerando os diferentes cenários com que poderemos ser confrontados no futuro?

        Já referi que não tenho pela Mudança aquela atração vertiginosa que parece querer ser veiculada de forma panfletária pelos arautos do politicamente correto que querem sempre mudar tudo… para que tudo fique na mesma. Se é moda mudar, então devemos mudar. Se é cool aderir a esta tendência ou descarregar aquela App, então vamos a isso. Ora a mudança pode ser comparada com uma Venda de determinado produto. A transação, não é um fim em si mesmo e por isso não concluímos daí que é boa ou menos boa. Se esse produto satisfez uma necessidade, resultou de um acordo livre entre as partes e vai trazer benefícios a quem o adquiriu, excelente. Com a Mudança passa-se um pouco o mesmo, pois se esta produz benefícios e responde a um conjunto de necessidades que têm que ser satisfeitas, tendo sempre como pano de fundo coisas tão básicas como direitos humanos, então é para avançar, para a frente e em força.

        Confesso que não poderia estar mais de acordo com Heráclito quando diz que “a única constante da vida é a mudança” _____
















        até porque, bastará estar atento para perceber que, sem querer por em causa a obra do filósofo, esta síntese não passa de uma constatação. Apesar de pro­fis­sionalmente ter vivido muitas mudanças ao longo dos anos e destas sempre me terem alimentado do ponto de vista motivacional, tento ter sempre presente que as decisões que tomamos decor­rentes das funções que ocupamos em cada momento, têm impacto na vida das pessoas e que portanto tudo deve ser devidamente validado, calibrado e pon­derado, sempre que o tempo de mercado assim nos permite. As decisões dentro das organizações nem sempre agradam, a dor da mudança é natural mas nós temos uma capacidade incrível de adaptação e se percebermos o racional da mudança, se for comunicado com clareza o que está por detrás de cada ação a implementar, temos a capacidade de a adotar com toda a determinação. Sem abdicar da tomada de decisão, é bom termos presente que tudo nesta vida é temporário, mas isso não nos deve impedir de colocar em cada ato que praticamos a melhor versão de nós mesmos.

        A política de porta aberta, já mencionada, resulta da convicção de que é crítico comunicar, mas reside também no facto de ter presente que o pior local para se tomar uma decisão é o gabinete. Claro que sim. Esta frase é para ser lida nas entrelinhas pois o que aqui está subjacente é uma distância ao local onde as coisas realmente acontecem. O local em si, é o que menos interessa, se na prática conseguirmos perceber o que se passa no mercado, se comunicarmos, gostarmos e estivermos dispostos a escutar e se conseguirmos conjugar a centralidade do Cliente com as pos­sibilidades de cada uma das empresas.

        Será que o escritório vai acabar definitivamente? Eu acredito que não, por vários motivos. Desde logo porque o homem é um animal social, vive em grupo, gosta de interagir socialmente e terá no futuro, assim que passe este tsunami, um desejo de ir regressando a uma vida crescentemente mais presencial. Num vídeo muito recente, um competente e conhecido otimista de nome Simon Sinek, confessava-se um pouco nervoso com o facto de ouvir tantas empresas a dizerem que o escritório acabou. O que ele defendia, era que aquela energia que se gerava presencialmente entre os colegas, o que saía de positivo das conversas informais, os nossos movimentos físicos que _________



          influenciam e impelem o outro à ação e os níveis de confiança que se cimen­tavam em cada dia, poderiam ser perdidos. Por este motivo era adepto de uma política flexível que permitisse conciliar o teletrabalho com o uso disci­plinado do escritório, até pelo facto de estar a constatar que as pessoas estão com saudades umas das outras, pois querem estar com a família, com os amigos e com os colegas.

          Percebendo o ponto de vista do Simon Sinek, até porque enquanto pro­fis­sional sempre fui treinado para um contacto mais presencial, entendo que há ali um detalhe que falta e que não será despiciendo trazer para a discussão. O que vai acontecer no futuro, não sabe o Simon nem sabe ninguém à face da terra! Hoje não vou falar dessa construção que nos cabe fazer e nos responsabiliza, mas interessa dizer que para haver futuro… convém que exista presente. Isto é, estar a pensar se num futuro distante o escri­tório vai continuar a existir ou se vai acabar definitivamente é um exercício académico porventura até intelectual­mente estimulante, mas talvez não seja de uma utilidade extrema quando temos que tomar decisões hoje. 

          O detalhe que falta ali, é que conti­nuamos no meio de uma tempes­tade, pelo que, sem deixar de pensar no futuro, temos sobretudo que tomar decisões de curto prazo, ajustando cons­tantemente as velas ao sabor de ventos imprevisíveis que num momento nos rasgam uma vela, mas noutros nos podem impulsionar para o nosso pró­ximo porto. Há velas que teremos que baixar, há velas que irão rasgar mas temos que manter um rumo e sobretudo, manter o barco à superfície.

          Há dias fui apelidado de otimalista por um parceiro de negócio (que reve­la­rei se o próprio autorizar já que a palavra não é da minha autoria) que me dizia qualquer coisa do género: és um otimista sem deixares de ser realista. Confesso que julguei que era um oti­mista, mas dou muito valor ao feedback e aquele tal quadrante da janela de jhoari onde está tudo os que outros veem e nós próprios não conseguimos ver, é de uma impor­tân­cia extrema e por isso interessa ir escutando quando alguém consome al­guns minutos e se dirige diretamente a nós para nos dizer algo. Há algumas coisas que se têm vindo tornar progres­sivamente transparentes, naquilo que é apenas e só a minha leitura da realidade, e que estão muito centradas no tal curto prazo.


          “a única constante da vida é a mudança” 

          - Heráclito





          1. O escritório tal como o conhecemos acabou.


          Gerou-se a tempestade perfeita para as empresas conseguirem conciliar a segurança dos colaboradores, com a possibilidade de acreditarem que o teletrabalho funciona, que a eficácia do controle sobre as pessoas não é obrigatoriamente feita em cima de um relógio de ponto, que a nossa natureza tem em si mesmo uma dose de responsabilidade que aumenta com a autonomia e a delegação. Há portanto uma enorme oportunidade de reinvenção que se pode tornar num vantagem competitiva.


          2. A relação com os Clientes alterou-se.


          Os Clientes, mesmo em B2B , não são propriamente entidades etéreas e enigmáticas que pairam desordenadas sobre as nossas cabeças. Os Clientes são pessoas de carne e osso que vivem no mesmo mundo que nós, que ouvem notícias, que também estão a fazer ajustes todos os dias e portanto vão estar hoje bem mais recetivos à mudança do que estariam em janeiro de 2020. Pergunto-me até se nesta altura, além dos manuais dos colaboradores que possam existir, não faria até sentido criar o Manual do Cliente, que, sem querer interferir naquilo que são as suas decisões, pudesse dar alguma robustez à comunicação que desejamos estabelecer com Ele. 


          Será que com um pequeno conjun­to de frases simples, bem estru­turadas e fundamentadas, não ajudaríamos o nosso Cliente ou potencial Cliente a compre­ender algumas das nossas opções e a criar mais rapidamente um vínculo de confiança? Para o Cliente comprar, é necessário haver uma relação. A questão de hoje, é como é que essa relação se constrói. Mais do que a presença física, o que hoje nos é exigido, é garantir ao Cliente que estamos próximos.


          3. As mudanças a operar devem respeitar os Valores de cada organização.




          Estamos perante uma oportunidade única de acelerar algumas mudanças, de colocar em prática um conjunto de novos procedimentos explicando que o pior dos argumentos é o famoso “sempre fizemos assim”. Contudo devemos revisitar cons­tantemente os nossos Valores, pois mesmo a violência da tempestade não deve ser pretexto para nos desviarmos destes princípios orientadores.

          O Mundo mudou, mas o pequeno imperador instalado no conforto do seu palácio não percebeu. Sem jamais ter ultrapassado os limites da Cidade Proi­bida não viu que o regime se alterou e as verdades absolutas construídas ao longo de anos e anos ruíram como um frágil castelo de cartas. Podemos desejar ar­dentemente voltar a uma realidade pré-covid e fazer o que está ao nosso alcance para ir buscar o que ela tinha de melhor.

          Podemos também ler a realidade e ____


          perceber aquilo que agora é exigível que se faça e não correr o risco de ficar dentro de uma torre de marfim, a acreditar que tudo será como dantes.

          Cabe a cada um de nós estar recetivo à mudança, mas também ser agente dessa mudança. Estar só disponível, hoje já é pouco e por isso devemos manifestar a nossa inconformidade com a estagnação, dando sugestões nos fóruns próprios, partilhando o que de relevante se está a passar no mercado, abrindo novos caminhos que nos coloquem em vantagem e percebendo que estar parado a olhar para o passado numa atitude de negação, nos vai levar a um lugar muito pouco interessante.

          Termino voltando ao tal pior lugar para se tomar decisões. Em bom rigor é um “espaço simples mas agradável” que na atual conjuntura pode ter muito pouco interesse, especialmente se poder ser mais rentabilizado. Assim, já sugeri deixa-lo para outras ocupações que possam ser consideradas mais úteis e termino, acabando o título deste artigo que, como todos terão indubitavelmente notado, está incompleto:




          Exijo manter o meu gabinete com a utilização que maximize a sua utilidade dentro da empresa  :-).


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