Coronavírus: Dicas para as empresas errarem menos durante a crise

Escrevi este artigo com o objetivo de oferecer algumas premissas e dicas de como errar menos, afinal em uma situação altamente complexa e volátil, não podemos ter a ilusão de que não erraremos.

Renata Barcelos
1 de Abril de 2020

Assim, abordarei o tema em um viés mais pragmático oferecendo ideias e exemplos de outras empresas que possam contribuir com as difíceis decisões que sua empresa precisa tomar. Não é uma receita de bolo, afinal, não há soluções simples para um problema complexo. Independentemente da decisão que tomar, você não resolverá totalmente o impacto que a COVID-19 terá na sua empresa, mas pode minimizá-lo e, até mesmo, identificar novas oportunidades de negócio para um futuro próximo.

Se serve como desafio, pense na frase atribuída ao filósofo Immanuel Kant: “A inteligência de uma pessoa é medida por sua capacidade de lidar com a incerteza”. Pois bem: agora é a hora de testarmos a nossa inteligência como gestores e a de nossas equipes.

Passamos por um teste de humanidade. Se somos a espécie com o racional mais desenvolvido e capaz de criar mecanismos potentes para nos proteger de diversas forças da natureza, vamos, realmente, continuar nos comportando como se estivéssemos na selva?

“Políticas são muitas, princípios são poucos, políticas mudarão, princípios, nunca.”


A essência das ações que identifiquei neste texto se baseia em 3 grandes princípios: Dinamismo, Respeito e Pensamento coletivo. Sobre o primeiro deles, é preciso assumir que a realidade se transforma a cada momento (na medida em que novas informações chegam) e que nenhuma ação proposta tem data de validade previamente definida. Estamos vivenciando a maior crise desde que levamos o termo ‘Mundo VUCA’ (volátil, incerto, complexo e ambíguo) para a gestão. Ideias e medidas podem — e devem — se alterar constantemente (assim como temos visto nas ações propostas pelo governo brasileiro) na medida em que se ajustam às novas realidades. O dinamismo traz incertezas e todos terão que conviver com elas, mas isso requer diversos cuidados, em especial, aqueles relativos à comunicação.

Sobre o princípio do respeito, a empresa deve demonstrar continuamente que não busca ‘fazer do limão uma limonada’, ou seja, não quer buscar novas oportunidades de ganhar dinheiro às custas dos elos mais fracos de sua cadeia produtiva. Pelo contrário, deve demonstrar que está aberta a sacrifícios em função de um sistema maior e reconhece o tamanho do lastro que possui para absorver impactos que, para alguns de seus stakeholders podem ser totalmente destrutivos.

Ontem, por exemplo, tive dois péssimos exemplos de empresas que ficaram totalmente expostas perante seus fornecedores: uma delas, de grande porte e abrangência nacional, propôs a um fornecedor regional que, ao saldar todos os seus compromissos hoje, exigiria uma redução nos preços de seus serviços no futuro. Ora, se você tem a vantagem de ter um caixa saudável para enfrentar a crise, pague e não barganhe com isso! Não use a fraqueza alheia como uma fonte de vantagem!

A segunda delas exigiu uma carência de 3 meses no aluguel do seu imóvel. De onde surgiram esses três meses, ninguém sabe. Ganhou 1 mês de carência e a quebra do bom relacionamento com o locador que, pelo tom com o qual falou comigo ao telefone, não vai esquecer disso tão cedo.

O princípio do Pensamento coletivo tem a ver com a ideia de estarmos todos no mesmo barco. Ele pressupõe que se entenda os riscos e dores no ecossistema no qual a empresa se insere e que se busque soluções conjuntas em uma via de mão dupla que atenda aos limites e potenciais de cada um dos envolvidos. A lógica não é exatamente do tipo ganha-ganha, mas sim, do tipo sacrifício-sacrifício. Quem pode mais, dá mais.

Mas dê de verdade. Se for necessário, pague por isso. Não tente ‘sair bem na foto’ apenas por se mostrar apto a ouvir ou oferecer ideias se você é uma grande multinacional com enorme quantidade de recursos. Espera-se muito das grandes empresas neste momento. Se pensarmos nelas como as representantes mais fortes de ecossistemas que precisam sobreviver, chegou, agora sim, a hora de mostrar seu poder.

Partindo desses princípios, discuto abaixo algumas ações mais direcionadas:


1. Comunicação com transparência e humanismo: Se seu setor de comunicação nunca trabalhou tanto quanto agora, há grandes chances da empresa estar no caminho certo. É largamente sabido que todos estão em dúvidas e planejando cortes. Crie canais para responder todas as dúvidas e, sem constrangimento, assuma tanto o que ainda não sabe, quanto seus erros. Uma grande rede de supermercados mineira, por exemplo, postou um vídeo de um dos seus sócios pedindo desculpas pelo erro no preço do álcool gel e oferecendo crédito àqueles que teriam pago o preço indevido. Só tome cuidado para não transmitir mensagens de cunho político ou que desvalorizem qualquer vida humana. A maior parte da sociedade, hoje, exige, de fato, responsabilidade social (este não é apenas um termo da moda). Leia os comentários nas redes sociais de outras empresas para avaliar o impacto das ações, inclusive o efeito ambíguo que elas podem ter.

2. Entenda a dor do outro: A morte de Clayton Christensen em janeiro de 2020 foi uma grande perda no campo da Administração. Um de seus ensinamentos foi sobre entender o trabalho que o cliente precisa executar no seu dia a dia (job to be done) de forma a desenvolver soluções que lhes sirvam. Os principais trabalhos que as pessoas precisam cumprir agora são: ficar em casa, cuidar dos filhos, trabalhar remotamente, proteger seu caixa, entre outros. Para saber qual deve ser sua maior preocupação na hora de desenvolver soluções contributivas, converse com as pessoas interessadas. Uma empresa de tecnologia, por exemplo, descobriu que alguns de seus clientes ainda possuem demanda de serviços, mas estão enfrentando falta de peças para concluir os trabalhos já existentes. Estamos desenvolvendo uma forma de buscar tais peças disponíveis em outras praças.

3. Crie redes de colaboração: Em conjunto, os custos são reduzidos, sejam eles para a comunicação com o mercado ou para a criação de plataformas online de colaboração. Una-se aos seus concorrentes para produzirem vídeos explicativos sobre o funcionamento das empresas do setor durante a crise. Crie redes de cooperação para compartilhamento de estoques, tecnologias e até fontes de financiamento. Uma grande empresa do setor de bebidas, por exemplo, criou um modelo de adiantamento de receitas para restaurantes: o consumidor final compra, hoje e com desconto, um voucher para usar quando a crise acabar. Não tenho informações para uma avaliação mais precisa desta ação (que está, inclusive, ganhando espaço nas redes sociais), mas é o tipo de movimento que só se consegue realizar em conjunto.

4. Negocie com parcimônia: Ouça, avalie, proponha. Aqui, a premissa do respeito impera. Nunca imponha, mas também não se comprometa negativamente no momento pós crise. Dar um desconto muito grande pode ser a única forma de manter seu cliente na sua base, mas isso não deve causar a sensação de que seus custos seriam, na verdade, muito baixos. Ofereça carência ou postergação de pagamentos sem cobrança de juros, mas demonstre o tamanho do seu sacrifício. Pense o BATNA (best alternative to a negotiated agreement) em uma perspectiva de médio prazo, ou seja, a melhor alternativa é, também, aquela que mantém ou melhora a relação no futuro. Não parta da premissa de que o outro lado tentará levar vantagem sobre você, até porque será fácil descobrir isso ao longo da conversa. Vá com o espírito aberto e reconhecendo a dificuldade do outro. Em uma startup de tecnologia, por exemplo, a transparência com seus colaboradores fez com que eles mesmos escrevessem uma carta propondo férias coletivas antes mesmo que o governo brasileiro fizesse qualquer movimento neste sentido.

5. Ofereça, simplesmente ofereça: Dar treinamentos, conhecimento ou qualquer recurso que possa apoiar quem precisa neste momento pode trazer custos, mas também pode gerar grande engajamento em torno de sua marca. A Faber Castell ofereceu gratuitamente belos cursos online. A ação viralizou e, certamente, a marca ganhou muito ao mesmo tempo em que ajudou milhares de famílias. Enquanto estamos em casa, colaboradores, fornecedores e clientes estão em busca de novidades e soluções. Se você não as oferece, seu concorrente pode fazê-lo e, eventualmente, isso pode enfraquecer sua relação com essas pessoas. E, sempre, demonstre que se preocupa. Uma organização social com a qual conversei, por exemplo não tem recursos financeiros para pensar em ações mais onerosas, mas não deixou de oferecer uma playlist para seus colaboradores relaxarem um pouco.

6. Personalize: Pessoas se conectam a pessoas e, em uma situação de confinamento, esta necessidade é ainda mais forte. Não crie processos impessoais para solucionar dúvidas e problemas. Mesmo seu pessoal em home office pode ainda estar apto a ter uma comunicação com seus colaboradores, clientes e fornecedores. Só não esqueça de que, neste momento, a necessidade de humanização das relações é ainda maior. Será um bom momento de descobrir quem tem maior capacidade de empatia com as pessoas.

7. Pratique, de fato, a vida em primeiro lugar: Estamos todos em risco. Não sabemos o caminho que a doença pode tomar. Imagine que você é uma das empresas que se manterá operante durante a epidemia e que se torne foco de contaminação de clientes e colaboradores. Além do comprometimento da saúde e da vida das pessoas, você perderá sua reputação. Portanto, cuide, cuide, cuide.

Não sei se as medidas acima conseguiram atender aos pedidos dos leitores por uma abordagem mais pragmática. Tentei colocar exemplos reais com esta finalidade, apenas para a materialização das ideias. Entretanto, cada solução é única e deve ser avaliada com total cuidado, conhecimento setorial e análise sistêmica de seus impactos. Na dúvida, seja apenas mais humano. Terá menos chance de errar.

Artigo em formato PDF

Newsletter Start&Go

Newsletter Start&Go