Inovação = Caos + Disciplina

“Os Três Príncipes de Serendip”, de Horace Walpole, conta as aventuras de três príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka, que faziam descobertas inesperadas nas suas viagens e demandas e cujos resultados surgiam por acaso e não consequência de alguma reflexão ou experiência realizadas.

Hugo Gonçalves
1 de Julho de 2019

Graças à sua capacidade de observação e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para dilemas impensados. Esta característica tornava-os especiais e importantes, não apenas por terem um dom especial, mas por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades. Ou seja, percorrer um caminho sem destino é uma fonte de conhecimento e novas soluções.

De facto, não faltam exemplos na história de novos produtos, serviços e abordagens de negócios que foram encontradas “por acaso”. Mas acaso é uma palavra um pouco complexa e até mesmo assustadora para as organizações e principalmente para os gestores. Acaso está associado a risco, à falta de controlo, a caos, a não garantia de resultados. Mas como dizia Louis Pasteur, o acaso favorece a mente preparada (leia-se organização).

A evolução empresarial está intimamente à fluidez da ligação entre Criatividade, Inovação e Empreendedorismo. Esta ligação nem sempre se materializa de forma sequencial, pois Inovar pode ser “pegar” numa ideia, conceito, tecnologia ou abordagem já existente e criar um novo produto, serviço ou aplicação. Empreender “dentro” de uma organização pode ser simplesmente combater o sistema e permitir que uma ideia ou nova oportunidade de criação de valor consiga “atravessar” todos os obstáculos que a rigidez empresarial coloca no caminho (procedimentos, aversão ao risco, desconhecimento por parte de quem decide do contexto onde a inovação | nova abordagem vai ser implementada).

Desenvolver a Criatividade no âmbito da empresa faz com que as nossas competências, skills e personalidades individuais possam perscrutar o horizonte que nos rodeia e assim realizar o que podemos chamar de business insights. Inovar é criar a ligação entre o novo e as oportunidades que existem para beneficiar, ajudar, resolver problemas. Empreender é agir, é passar dos drafts à prática, é ser um sonhador que faz!

Tudo isto é possível apenas quando as pessoas possuem um comportamento criativo e empreendedor no seio de uma empresa, iniciando de forma proactiva um conjunto de atividades que têm por objetivo transformar uma ideia em lucro, de preferência com um propósito ou impacto positivo na sociedade. A energia que alimenta essa transformação é uma mescla de risco, reconhecimento e liberdade conceptual.

Para que exista um verdadeiro empreendedorismo organizacional, a empresa precisa de viver em duas realidades distintas: A realidade da busca e a realidade da execução:

  • Na realidade da Busca, a organização reflete sobre o seu propósito e de que forma este está alinhado com o que a sociedade espera e deseja dela (resolver problemas, proporcionar experiências, fazer poupar tempo, etc.). Nessa busca, precisa de perceber o que ela é e o que esperam dela. E se existir um desalinhamento, quais as consequências atuais ou futuras. Nesta fase da Busca, as pessoas abraçam o risco, flexibilizam as regras, valorizam o percurso de criar e melhorar do que os próprios objetivos e existe um caos (orientado ou talvez não) no sentido de que as pessoas colocarem os seus talentos, competências e personalidades ao serviço desse caos.
  • Quando existe o fit entre a organização e os seus clientes, utilizadores e beneficiários, a organização avança para a realidade da Execução. Pensa como pode otimizar recursos e competências no sentido de materializar o fit atrás referido. Avalia qual a melhor forma de o fazer, com menos riscos. Define processos e atividades de controlo para não perder o fio à meada. Define e valoriza os ambientes estruturados e a consequência de todas essas atividades tem que ser, de forma isolada ou em conjunto com outros resultados esperados, o lucro.

Estamos a falar de realidades, abordagens e palavras-chave distintas. Estamos a falar de organizações ambidextras. Empresas que saibam definir um fio condutor de Criatividade | Inovação | Empreendedorismo ao mesmo tempo que consegue ser disciplinada o suficiente para entregar o Valor esperado aos seus clientes, utilizadores e beneficiários da forma mais otimizada possível. E este equilíbrio começa nas pessoas. E no potenciar individualmente e de forma coletiva o melhor mix de personalidades.

intraempreendedorismo  (intrapreneurship) é um sistema cujo propósito é acelerar as inovações dentro de grandes empresas, através do uso melhor dos seus talentos empreendedores. O termo intrapreneur foi pela primeira vez utilizado por Gifford Pinchot em 1985. Estamos a falar de alguém que, na posse de uma ideia ou insight que possa ser materializado em novos negócios e lucro, desbrava caminho “por entre a organização” para materializar essa ideia. Luta contra a inércia. Remove obstáculos. Partilha a sua paixão com outros. Sonha mas Faz! O perfil desta “tribo” é o seguinte:

  • Movidos pela paixão e bem maior da organização (Visão);
  • Correm riscos (de forma responsável);
  • Persistentes;
  • Flexíveis com as regras (de forma honesta);
  • Acreditam na comunicação (escuta ativa e feedback);
  • Não evitam divergências se estas forem necessárias para a inovação vencer;
  • Possuem uma fantástica network.

Dando como certo que todas as organizações possuem o capital humano (ou pelo menos o seu potencial) para transformar novas ideias e abordagens em produtos e serviços de valor, é necessário que a empresa promova o ambiente adequado para que o caos da procura e busca seja devidamente enquadrado com a disciplina e lógica da execução.

Como pode então uma organização fomentar esse ambiente adequado para a inovação?

Comecemos pelos recursos e prioridades. Hoje em dia as coisas não estão fáceis, e não existe muita disponibilidade ou flexibilidade para alocar os devidos recursos financeiros ao desenvolvimento ou exploração de uma nova abordagem de negócio ou produto/serviço. Mas pior que não ter novas ideias, é ter várias e não as conseguir desenvolver ou explorar. Uma possibilidade é fazer uma análise aprofundada das ideias e avaliar quais as que obtém as melhores probabilidades, através da validação segundo 2 critérios (por exemplo facilidade de implementação vs. impacto|ganhos previstos). Esta triagem permite que a organização foque os seus recursos nas abordagens que mais facilmente vão originar valor e novas oportunidades de negócio.

Quanto ao ambiente organizacional, a diversidade de personalidades é fundamental. Cada um de nós pode assumir um papel crucial na exploração de novas oportunidades. Numa equipa, é sempre preciso alguém que agite as águas, alguém que faça o papel de advogado do diabo, alguém que motive, alguém que nos apresente as pessoas certas, alguém que pesquise, alguém que nos faça questionar. Alguém que contabilize e mapeie. Tudo isto requer personalidades diferentes.

Formalizar a inovação numa empresa pode ser feito com pequenas decisões e abordagens que passam mensagens muito importantes. Desde criar um budget dedicado à Inovação (independentemente do valor), “oferecer” parte do tempo semanal do trabalho para que os colaboradores possam dedicar-se à exploração de novas abordagens ou definir um sistema de reconhecimento que permita recompensar o facto de a pessoa dedicar os seus talentos, interesses e personalidade a encontrar algo que beneficia a organização como um todo são algumas abordagens que proporcionam ótimos resultados.

Comunicar também é fundamental. Tornar visível o sentido de urgência, apresentar tendências e desafios futuros para todas as áreas de negócio; refinar novas ideias com várias pessoas (vários feedbacks) são importantes ferramentas de validação de novas ideias e abordagens.

Cabe às organizações proporcionar aos seus colaboradores um caminho. Para que a exploração desse caminho por parte dos colaboradores apresente novas perspetivas, abordagens que de outra forma nunca teriam tido hipótese de ser consideradas.

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