Um olhar sobre a economia social

Ana Isabel Lucas
1 de Julho de 2018

A economia social, também designada como terceiro setor, surge com maior intensidade devido ao aparecimento de novos problemas e ao acentuar de alguns já existentes, tais como, o abrandamento do crescimento económico, o aumento da exclusão social, o desemprego de longa duração e menores níveis de poupança da população, colmatando assim, uma lacuna quer da parte do estado, quer da parte do mercado.

Em Portugal, o setor da Economia Social envolve 61.268 organizações, que empregam 260.000 pessoas, correspondendo a 6% do emprego total remunerado. São utilizados por estas organizações 14.308 milhões de euros em recursos financeiros, que valem quase 3% da produção nacional de todos os sectores.

Integram a economia social as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), as associações mutualistas, as instituições de desenvolvimento local, as misericórdias, as cooperativas, as associações, as fundações e as organizações sem fins lucrativos.

As organizações sociais dependem da boa vontade das pessoas que se voluntariam e da boa vontade das pessoas e instituições que doam. São normalmente prestadoras de serviços, o que implica desafios associados à gestão desses serviços, acrescidos da complexidade das problemáticas específicas com que muitas vezes se deparam.

Como existe uma dependência de subsídios estatais e de apoios da União Europeia, é importante manter um relacionamento de confiança e transparência na prestação de contas. Para isso, é igualmente importante, e necessária, a profissionalização da gestão destas organizações, de forma a garantirem o melhor serviço aos seus beneficiários.

A profissionalização da gestão não incide somente na gestão administrativa mas também na gestão financeira, nos processos, nos recursos humanos, na comunicação e na responsabilidade social. Esta ultima ainda é negligenciada pela maioria das organizações sociais, apesar de serem elas próprias as beneficiárias das ações de responsabilidade social das empresas.

Ter competências nestas áreas pressupõe um investimento continuo e com elevados custos, que nem todas as organizações sociais estão dispostas a investir.

A base destas organizações não é o lucro ou o poder mas a possibilidade de solucionar problemas globais, o que lhe confere determinadas características intrínsecas, que devem pairar como uma auréola em torno da sua identidade.

Os princípios orientadores das atividades destas organizações estão definidos na Lei de Bases da economia social com destaque para:

  • A primazia das pessoas e dos objetivos sociais
  • A adesão e participação voluntária
  • A gestão autónoma e democrática
  • Os lucros estarem afetos à continuidade dos seus fins
  •  A conciliação do interesse dos membros, beneficiários/utilizadores e o interesse geral
  • A sua conduta, que deve pautar-se por valores como a solidariedade, a igualdade, não discriminação, coesão social, justiça e equidade, transparência, responsabilidade social e subsidiariedade.

Estes princípios e valores devem ser operacionalizados na sua realidade quotidiana, através das suas formas de gestão e dos seus procedimentos.

Quando se fala de responsabilidade social, fala-se no comportamento que as organizações adotam voluntariamente e que se estende para além das prescrições legais, uma vez que é do seu interesse a longo prazo. Não deverá ser um acréscimo às atividades nucleares da organização, mas sim à forma da sua gestão. 

A responsabilidade social está também associada ao conceito de desenvolvimento sustentável, que é definido como “o desenvolvimento que dá resposta às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras encontrarem resposta para as suas necessidades”. Este conceito está interligado com três dimensões, a económica, a social e a ambiental, que formam a tão aclamada sustentabilidade. Não devem as organizações sociais atingir o objetivo da sustentabilidade? 

Desafios do setor

Nos últimos dez anos, como é comum em épocas de crise, os donativos para as organizações sociais aumentaram mas a sua capacidade organizacional e a sua visibilidade não acompanharam este aumento.

Existe hoje um maior reconhecimento da importância das organizações sociais, mas se a consciência do público aumentou, urge ultrapassar outros desafios deste setor, tal como melhorar as relações estado-organizações sociais. O estado confunde e prejudica as organizações sociais fazendo com que estas assumam despesas e funções que são do próprio estado. 

Outro desafio a ser ultrapassado é a criação de capacidade organizacional, que é definida como a “aptidão da organização em satisfazer ou influenciar os seus stakeholders”. 

Quais são os fatores determinantes para a capacidade organizacional?

As competências humanas – Aposta na formação em gestão e governação das pessoas que as lideram, formação em geral para os seus trabalhadores e voluntários.

Os recursos – Avaliar a sua posição de maior ou menor dependência de financiadores externos. Conhecer bem as consequências que esta situação de dependência podem trazer e procurar conhecer e explorar alternativas a estes financiamentos.

As relações externas – As tecnologias poderão ter um papel importante no apoio e fomento de parcerias com a comunidade com benefícios para ambas as partes. 

A postura de aprendizagem com os resultados – A avaliação dos resultados deve ser uma prioridade como forma de garantir a aprendizagem. 

É importante que a organização saiba para quem existe e conheça quais as suas expectativas e quais as medidas de satisfação que os seus stakeholders valorizam. Muitas vezes perde-se a clareza na definição para quem existem. Em vez de se focarem nos utilizadores dos seus serviços, focam-se no interior da organização e nos interesses dos gestores, ou na tarefa de garantir a viabilidade financeira por mais algum tempo.

No contexto do mundo globalizado, as pessoas são o capital mais importante na organização das atividades, no desenvolvimento dos mercados, na conceção de estratégias, na definição de políticas e no estabelecimento das redes de interação.

São as pessoas que dão vantagem competitiva às organizações através da dinamização do conhecimento e permitem à organização perceber o que sabe, como usa que sabe e a rapidez com que aprende algo novo.

Qualquer organização é um sistema aberto, está sujeita a mudanças e em constante interação com o ambiente que a rodeia, é o meio ambiente que lhe proporciona os recursos necessários para a sua sobrevivência. Como qualquer sistema aberto as organizações têm que se reajustar continuamente para acompanhar o ritmo de desenvolvimento tecnológico, as mudanças sociais, culturais e politicas. É este processo de interação que permite ao sistema sobreviver.

Enquanto sistema aberto, qualquer organização deverá ter em conta a dimensão social, económica e ambiental, salvaguardando os aspetos internos e externos e pautar-se por uma postura ética e responsável que lhe permita sobreviver em perenidade, sem descurar o objetivo primordial, a sua missão.

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