Infelizmente os vizinhos do andar acima do meu têm horários
claramente diferentes dos da maioria das pessoas, e isto leva a que
ocasionalmente tenham a tv demasiado algo, ou estejam a ouvir música a horas
que a maior parte das pessoas considera impróprias para tal. E naturalmente, o
fraco isolamento acústico do prédio não ajuda.
Ainda assim, é de certa forma estranho que não tenham
consciência das consequências de ter a tv ou a aparelhagem com um volume
demasiado alto. Ou então até terão a dita consciência, mas não lhe darão grande
valor.
Isto fez-me pensar numa situação a que tenho assistido
recentemente, em várias empresas, de áreas distintas: muitos trabalhadores
optam por procurar novas oportunidades fora da empresa em que estão, com a
justificação de que “os que estão lá em cima (os gestores) não fazem ideia do
volume de trabalho a que estamos sujeitos!”. Não é raro ouvir pessoas que se
demitem com justificações como “não querem saber”, ou “dão-nos trabalho sem
saberem se conseguimos fazê-lo!”.
Eu sou o primeiro a reconhecer que a micro-gestão é
altamente negativa. Não é suposto um gestor saber quantos panos de limpeza se
utilizam por mês… mas ao mesmo tempo, ele não se deve alhear do que se passa na
produção, e das pessoas que a compõem!
A recente “moda” do Lean Kaizen trouxe para o terreno a
ferramenta do Gemba Walk (em que “Gemba” vem do japonês “Genbutsu”,
que significa “o lugar real”, ou seja: a produção), que consiste numa caminhada
percorrendo as áreas da empresa, analisando os indicadores dos quadros das
equipas. Isto ocorre, em grande parte das empresas, uma vez por mês (a
frequência não é obrigatória), e para além da análise dos indicadores, representa
também uma oportunidade para os gestores comunicarem directamente com quem está
no terreno, os operadores, os chefes de linha, os supervisores, os técnicos. No
meu entender, esta “volta pela produção” deve ocorrer sempre que possível, não
numa lógica de análise de indicadores, mas de ver como estão a correr as
coisas, cumprimentar as pessoas, ouvir uma ou outra, e se houver essa
possibilidade, torná-la num hábito diário.
Isto permite aproximar a gestão dos operadores, e se os
primeiros manobram a estratégia da empresa, os segundos produzem com as
próprias mãos aquilo que a empresa vai vender aos seus clientes, logo são
interdependentes. Já pude assistir de forma muito clara a exemplos que
demonstram como esta aproximação dá mais confiança aos operadores no papel da
gestão, pois assim pressentem que esta é acessível. E por outro lado,
proporciona também aos gestores uma maior facilidade na compreensão das
necessidades dos diferentes níveis da organização. E isto, não raras vezes, é o
suficiente para detectar e combater uma falta de motivação do colaborador A, ou
uma incompatibilidade entre o colaborador B e o C.
Mas há muitos locais em que isto não é assim. O gestor
preocupa-se com aspectos gerais, com a estratégia e/ou as vendas, delegando
tudo para quem está abaixo de si na hierarquia da empresa. E os que estão
abaixo poderão, por sua vez, delegar em chefes de linha, técnicos, etc. E isso
não é necessariamente errado, principalmente em empresas de grande dimensão. Mas
se algo nesta engrenagem falhar, as “peças” vão sentir-se não só desapoiadas
mas também desanimadas, e muitas vezes os efeitos disso só se sentem quando a
engrenagem já está com problemas sérios.
E entretanto… alguém menciona que a empresa é boa porque tem certificação de qualidade, o que para muitos significa que “faz as coisas bem feitas”. Para o operador da linha, isso pode soar a hipocrisia, aumentando ainda mais o seu desânimo e a descrença no papel da gestão.
A versão actual da norma de Gestão de Sistemas Qualidade, a ISO9001:2015,
tornou o requisito de definição das “partes interessadas” em algo mais
abrangente do que já existia. Agora não basta apenas responder aos accionistas
ou donos da empresa, sendo necessário também olhar não apenas para a envolvente
da organização, mas também para quem a compõe, no seu interior. E isso inclui
os operadores. A empresa deve demonstrar que acompanha a motivação dos seus
trabalhadores, seja com inquéritos (anónimos ou não), entrevistas espontâneas,
ideias de melhoria ou qualquer outro tipo de indicador, reagindo quando (ou se)
surgem situações claras de descontentamento. A intenção da norma é que a gestão
se mostre mais próxima do que ocorre no interior da empresa, com um nível mais
elevado não apenas de conhecimento, mas essencialmente de comprometimento.
Para as empresas em que isto já ocorre naturalmente,
trata-se apenas de demonstrar algo que já existe. Para as outras, trata-se
olhar para o seu próprio umbigo e perceber se a Qualidade é algo que realmente
se sente no “vestir da camisola”, ou que apenas serve para ter a bandeira da
certificação à porta. E perceber que talvez seja necessário baixarmos o som da
TV para escutar quem está abaixo de nós.