Sardinhas e broa, manjericos, quadras, balões, cascatas, alho-porro
e, claro, os martelos. As suas tradições.
Uma das coisas com que mais gosto no S. João é usar o
martelo de plástico e, com uma liberdade que as convenções nos interditam no
resto do ano, “agredir” estranhos e sofrer a justa retribuição. E como nasceu
esta tradição? Pensando bem, é curioso que se dê marteladas na cabeça das
outras pessoas em honra de um santo ao qual justamente cortaram a cabeça, certo?
O martelo foi inventado em 1963 por um industrial do Porto
chamado António Boaventura, inspirado num saleiro e pimenteiro que viu numa das
suas viagens. Foi um sucesso imediato, inicialmente com os estudantes, na
Queima das Fitas, depois no S. João, onde começou a substituir o alho-porro com
muito sucesso.
Se esta história não fosse em Portugal, se calhar terminava
já aqui com “o Sr. Boaventura patenteou o seu invento e ganhou milhões com as vendas
crescentes”. Mas felizmente vivemos num país onde as histórias não têm os
finais previsíveis.
Como todos sabemos, temos hoje – e sempre tivemos – os
políticos mais sensatos, sábios e inteligentes de todo o mundo. Para o
ilustrar, o vereador da Cultura e o Presidente da Câmara do Porto dessa época,
com toda a sua sabedoria, decidiram proibir os martelos, porque não eram…
“tradicionais”. Outro sensato político – o Governador Civil do Porto - concordou
e proibiram o Sr. Boaventura de produzir e vender os seus martelos. Mais ainda,
quem os usasse na noite de S. João estava sujeito a uma multa de 70$, o
equivalente a mais de 2 meses de salário. Sim, 2 meses de salário por usar um
martelo de plástico!
Ainda bem que temos os políticos mais sensatos, sábios e
inteligentes do mundo!
Mas o Sr. Boaventura era um homem de luta! E recorreu desta
decisão para os tribunais.
Felizmente, como todos sabemos, temos a sorte de ter em
Portugal os juízes mais sensatos, sábios e inteligentes de todo o mundo. O Sr.
Boaventura perdeu em 1ª instância… perdeu em 2ª instância… e só em 1973 viu o
Supremo Tribunal dar-lhe razão. E a partir daqui poderia mesmo dizer que “o
resto é história”. Outras cidades adoptaram o martelo para o S. João, começou a
popularizar-se no Carnaval e no fim de ano... A fábrica de plásticos do Sr.
Boaventura teve bons lucros durante uns anos. Mas o sucesso não cruzou
fronteiras e rapidamente foi copiado, aumentaram as importações da China, as
vendas diminuíram paulatinamente e a fábrica fechou há um par de anos. (Lembram-se
da patente? Nunca existiu.)
E de que vale esta história?
Por isso, este S. João sejam sensatos, sábios e inteligentes
e deem umas marteladas em honra do Sr. Boaventura.