Martelar a Tradição

O que faz um S. João?

Pedro Amendoeira
1 de Julho de 2016

Sardinhas e broa, manjericos, quadras, balões, cascatas, alho-porro e, claro, os martelos. As suas tradições.

Uma das coisas com que mais gosto no S. João é usar o martelo de plástico e, com uma liberdade que as convenções nos interditam no resto do ano, “agredir” estranhos e sofrer a justa retribuição. E como nasceu esta tradição? Pensando bem, é curioso que se dê marteladas na cabeça das outras pessoas em honra de um santo ao qual justamente cortaram a cabeça, certo?

O martelo foi inventado em 1963 por um industrial do Porto chamado António Boaventura, inspirado num saleiro e pimenteiro que viu numa das suas viagens. Foi um sucesso imediato, inicialmente com os estudantes, na Queima das Fitas, depois no S. João, onde começou a substituir o alho-porro com muito sucesso.

Se esta história não fosse em Portugal, se calhar terminava já aqui com “o Sr. Boaventura patenteou o seu invento e ganhou milhões com as vendas crescentes”. Mas felizmente vivemos num país onde as histórias não têm os finais previsíveis.

Como todos sabemos, temos hoje – e sempre tivemos – os políticos mais sensatos, sábios e inteligentes de todo o mundo. Para o ilustrar, o vereador da Cultura e o Presidente da Câmara do Porto dessa época, com toda a sua sabedoria, decidiram proibir os martelos, porque não eram… “tradicionais”. Outro sensato político – o Governador Civil do Porto - concordou e proibiram o Sr. Boaventura de produzir e vender os seus martelos. Mais ainda, quem os usasse na noite de S. João estava sujeito a uma multa de 70$, o equivalente a mais de 2 meses de salário. Sim, 2 meses de salário por usar um martelo de plástico!

Ainda bem que temos os políticos mais sensatos, sábios e inteligentes do mundo!

Mas o Sr. Boaventura era um homem de luta! E recorreu desta decisão para os tribunais.

Felizmente, como todos sabemos, temos a sorte de ter em Portugal os juízes mais sensatos, sábios e inteligentes de todo o mundo. O Sr. Boaventura perdeu em 1ª instância… perdeu em 2ª instância… e só em 1973 viu o Supremo Tribunal dar-lhe razão. E a partir daqui poderia mesmo dizer que “o resto é história”. Outras cidades adoptaram o martelo para o S. João, começou a popularizar-se no Carnaval e no fim de ano... A fábrica de plásticos do Sr. Boaventura teve bons lucros durante uns anos. Mas o sucesso não cruzou fronteiras e rapidamente foi copiado, aumentaram as importações da China, as vendas diminuíram paulatinamente e a fábrica fechou há um par de anos. (Lembram-se da patente? Nunca existiu.)

E de que vale esta história?

  1. Uma boa ideia vale dinheiro, desde que posta em prática – e que os políticos não incomodem.
  2. Se algo inova ou perturba, há uma boa hipótese que os políticos - ou lobbys - incomodem.
  3. O mais transformador que tiro é que qualquer um pode fazer uma tradição. É assim que elas nascem, com alguém que cria, implementa e luta pelo que é seu. E todos nós podemos fazer isso.

Por isso, este S. João sejam sensatos, sábios e inteligentes e deem umas marteladas em honra do Sr. Boaventura.

Artigo em formato PDF


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